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São Paulo – A falta de jurisprudência a respeito dos trabalhadores ligados a empresas de aplicativos, que usam de tecnologia digital para intermediar mão de obra, não é um problema apenas no Brasil, mas em todo o mundo. A questão foi exposta após a publicação do relatório “Emprego e Questões Sociais no Mundo 2021”, divulgado no dia 23 de fevereiro pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). O levantamento identificou que as plataformas de trabalho digitais cresceram, em nível mundial, cinco vezes mais na última década.
Segundo a agência da ONU, esse aumento traz oportunidades, mas também cria uma série de desafios para trabalhadores e empresas. De um lado, diz a OIT, essas empresas criaram novas “oportunidades de emprego” pelo modelo mais flexível de organização, particularmente para mulheres, pessoas com deficiência e jovens. Por outro lado, a aceleração dessa economia digital mudou a maneira como o trabalho era organizado e regulamentado. E as condições para exercer a jornada diária do trabalhador passaram a ser determinadas unilateralmente – e pelas empresas.
“O que se traduz em baixas remunerações, longas horas de trabalho, que não preveem acesso à proteção social e que não garantem acesso a direitos fundamentais, como a liberdade de associação e negociação coletiva”, observou a diretora da OIT em Portugal, Mafalda Troncho, à ONU News. Mais desigual
As conclusões de Mafalda Troncho se baseiam nas entrevistas feitas para o relatório com cerca de 12 mil trabalhadores de 100 países. Também foram consultados representantes de 85 empresas de plataformas digitais espalhadas pelo globo. A organização apurou que metade dos trabalhadores ganham menos de US$ 2 por hora. E a mais alta remuneração não ultrapassa o total de US$ 3,4. E, apesar de ser uma oportunidade de trabalho de destaque para as mulheres, há disparidade entre o valor pago a elas na comparação com a remuneração dos homens.
Os dados da OIT revelam ainda que a pandemia de covid-19 acentuou essas dificuldades. Por conta do crescimento do desemprego, agravado pelo surto, milhares de trabalhadores foram empurrados para serviços de entregas por aplicativos ou de viagens.
Outro aspecto levantado é os benefícios dessas corporações não serem compartilhados de forma igual em todo o mundo. O relatório indica que 96% dos investimentos das plataformas estão concentrados na Ásia, América do Norte e Europa. E 70% das receitas estão nas mãos apenas de dois países: Estados Unidos e China.
“É uma concentração em ‘meia dúzia’ de bilionários que são os grandes acionistas dessas empresas de plataforma como a Amazon, a Uber, e tantas outras que multiplicaram por cinco vezes seus números. Mas com um punhado de gente se beneficiando disso, enquanto milhares trabalham de maneira precária, principalmente nos países do (hemisfério) sul”, critica o secretário-geral do IndustriALL Global Union, Valter Sanches.
Em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, nesta terça (2), ele ressaltou que o levantamento da OIT comprova que a situação desses trabalhadores de aplicativos é de fato “muito precária”. “Precisam urgentemente de regulação e taxação dessas empresas e da possiblidade de negociação coletiva para esses trabalhadores melhorarem seus benefícios e condições de trabalho”, reforça.
“É a nova forma de escravidão. Não por outro motivo que em vários países tem havido ações na Justiça para tentar coibir essas empresas, porque não existe regulamentação nem negociação coletiva. Muitos trabalhadores recorrem e já há casos importantes. Caso da Espanha, que em setembro de 2020 reconheceu o vínculo empregatício. E, mais recentemente em fevereiro, a Suprema Corte do Reino Unido também reconheceu os direitos de 25 trabalhadores”, comenta o secretário-geral do IndustriALL.
No Brasil, um recente relatório dos auditores fiscais do Trabalho, que acompanharam o dia a dia de um grupo de entregadores da Rappi, também conclui que a empresa é sim empregadora e seus “colaboradores” deveriam ter vínculo empregatício. De acordo com Valter, o reconhecimento é importante para garantir os direitos trabalhistas.
Redação: Clara Assunção