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20 de Novembro de 2022 às 07:43

Dia da Consciência Negra: acabar com o racismo estrutural no Brasil é uma tarefa de todos

Foram mais de três séculos de escravidão no país, que deixaram marcas profundas nas relações econômicas, sociais, culturais e institucionais do país


Neste domingo 20 de novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, movimentos negros e sociais realizam atos em várias cidades do país para celebrar a democracia e colocar o combate ao racismo na pauta do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

“O enfrentamento ao racismo é uma luta ampla que busca não apenas justiça para a enorme parcela de afrodescendentes da população brasileira, mas também a construção de uma sociedade fraterna e igualitária, que garanta direitos fundamentais a todas as pessoas”, resume o secretário de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Almir Aguiar.

Traço nacional infeliz

O descaso social, a desigualdade e o desrespeito aos direitos humanos aos afrodescendentes remontam ao descobrimento e não se limitam a uma página infeliz, como costuma se dizer, mas acompanham toda a história do Brasil. Conforme a plataforma digital The Trans-Atlantic Slave Trade Database, uma ação colaborativa internacional que disponibiliza informações de pelo menos 35 mil viagens de tráfico humano do continente africano, entre 1520 e 1866, estima-se que das 12,5 milhões de pessoas sequestradas em sua terra natal e trazidas para as Américas, 5,8 milhões foram escravizadas no Brasil.

Aqui também foi onde a escravidão mais demorou para ser extinta, tendo ocorrido apenas em 1888, quando, nos demais países da América, já vinha sendo extinta muitas décadas antes. Embora o discurso oficial diga que uma ação da Monarquia, pelas bondosas mãos da princesa Isabel, tenha dado à nação a libertação dos que eram oprimidos por aquele regime de exceção, o fim da escravidão ocorreu por conta de muita pressão interna, dos próprios negros e negras oprimidos e dos chamados abolicionistas; e externa, pelos países que criavam barreiras à participação do Brasil no comércio liberal internacional, liderados pela Inglaterra.

Resistência histórica

Aqui mentes progressistas, como José do Patrocínio, Luís Gama e André Rebouças, entre outros militantes abolicionistas, exigiam o fim daquele regime de exceção por respeito humano e social. O tema também sensibilizou escritores, como Castro Alves, Machado de Assis e Olavo Bilac, que o registraram em sua arte. A pressão que vinha de fora queria a transformação da mão de obra escrava em assalariada, com a ampliação do mercado capaz de consumir a produção multiplicada pela Revolução Industrial. Ou seja, além da aberração nas condições humanas e sociais, o Brasil vivia deslocamento no cenário político de então.

Lei para inglês ver

A Lei Áurea formalizou legalmente o fim da escravidão, mas a opressão permaneceu. Um século depois, em 1988, enquanto a República celebrava de modo ufanista o centenário da abolição, os movimentos negros, liderados pelo Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN), organizavam a Marcha Contra a Farsa da Abolição. O protesto mobilizou, no dia 11 de maio, milhares de pessoas no Rio de Janeiro, que foram intimidadas pelo Exército, que obrigou que o trajeto da manifestação fosse alterado, para não passar em frente ao panteão onde se encontram os restos mortais de Duque de Caxias.

O cartaz do movimento tinha a frase “1888 Lei Áurea, 1988 nada mudou, vamos mudar” e trazia duas fotos: uma com cena de escravizados sendo agredidos no século XIX, outra com jovens negros amarrados pelo pescoço com uma corda, fiscalizados por um policial em 1988. Nessa ocasião, Zumbi dos Palmares e a data de sua morte, 20 de novembro de 1695, foram escolhidos como os verdadeiros símbolos históricos da luta da população negra no Brasil. Projeto de Lei, do senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP), já aprovado no Senado Federal e em tramitação na Câmara dos Deputados, reconhece a data e a transforma em feriado nacional.

O racismo em números

Desde aquele momento, quando a redemocratização estava começando, até hoje, essa luta tem avançado e enfrentado grandes obstáculos, como mostra o secretário Almir Aguiar, em artigo publicado recentemente. A discriminação e as desigualdades sociais continuam a oprimir a população afrodescendente praticamente com a mesma força no Brasil. Conforme o relatório Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil, publicado no último dia 11 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as desigualdades sociais que fustigam a população negra no Brasil “seguem evidentes”.

Conforme o estudo, todos os indicadores sociais confirmam as disparidades. A taxa de pobreza entre brancos (18,6%) quase dobra entre pretos (34,5%) e pardos (38,4%). Entre estes últimos, o número de homicídios é praticamente o triplo. O desemprego, de 11,3% para trabalhadores brancos, sobe a 16,2% entre pardos e a 16,5% entre pretos. Índices com distorção semelhante também ocorrem no subemprego e na subutilização da mão de obra.

Além disso, enquanto a remuneração média de brancos é de R$ 19 por hora, a de pretos cai para R$ 10,90 e a de pardos, para R$ 11,30. Trabalhadores negros ocupam 29,5% dos cargos gerenciais e apenas 14,6% estão na faixa de renda mais elevada, mesmo sendo maioria no mercado de trabalho (53,8% do total). As diferenças sociais se acentuam com os dados de extrema pobreza, que classificam pessoas que vivem com US$ 1,90 por dia: 5% para brancos, 9% para pretos e 11,4% para pardos. As profundas diferenças também são identificadas nas áreas de moradia, educação e saúde.

Também no sistema financeiro o racismo é explícito. Apenas 24% dos bancários são negros. Que ganham 87% dos salários dos brancos e praticamente têm a ascensão profissional abortada por causa da cor da pele.

“Os dados são de fato evidentes, é fácil de observar que quanto mais melanina, maior a discriminação no Brasil”, denuncia Almir. “Quanto mais escura a pele, maior a opressão social; é urgente que isso mude, pois sem isso não podemos construir uma sociedade livre e justa, pois enquanto houver racismo, não há democracia”, completa o secretário.

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Fonte: Contraf-CUT, com Fetec-CUT/CN


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