O economista norte-americano Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, diz o seguinte em entrevista publicada nesta quarta-feira 4 de dezembro pelo jornal O Estado de S. Paulo:
"Há problemas na estrutura do mercado financeiro no Brasil. Tem sido preocupante há tempos (...) O Brasil vai ter de eventualmente pensar em reformar seu sistema financeiro. Porque você tem esse sistema com taxas de juros reais muito altas para o sistema bancário, e taxas de juros mais razoáveis no BNDES, portanto vocês têm um mercado financeiro muito segmentado. Isso normalmente não é uma boa forma de operar um sistema financeiro. As taxas de juros do sistema bancário privado sᆪo das maiores do mundo."
A advertência de Stiglitz, professor da Universidade de Colúmbia e ex-vice-presidente do Banco Mundial, reforça a campanha da Contraf-CUT pela convocação de uma Conferência Nacional do Sistema Financeiro, na qual a sociedade brasileira discutirá qual o papel e que tipo de banco interessa ao desenvolvimento do país.
Bancos se concentram e vivem do rentismo
Para a Contraf-CUT, é imprescindível para o desenvolvimento econômico e social do Brasil que o sistema financeiro garanta crédito para a produção e para o consumo, a custos decentes. Não é o que acontece hoje no país, que oferece um volume de crédito apenas o equivalente a 49% do PIB, com os juros e spreads mais altos do mundo.
Hoje, quase 40% da população brasileira não tem conta em banco e mais de 35% dos municípios não possuem sequer uma agência ou posto de atendimento bancário.
Ao mesmo tempo, o Brasil deve pagar R$ 162,64 bilhões apenas de juros da dívida pública em 2013 - um terço da qual está nas mãos dos bancos -, o que significa 7,6% do orçamento de R$ 2,14 trilhões da União no ano. Isso equivale a mais que o dobro do orçamento da educação no mesmo período (R$ 79,2 bilhões) e 7,3 vezes o orçamento do Bolsa Família (R$ 22 bi em 2013).
Somente os cinco maiores bancos que operam no Brasil apresentaram lucro líquido de R$ 51,4 bilhões em 2012 (equivalente a 1,5 vezes o orçamento para educação) e R$ 42,21 bilhões de janeiro a setembro de 2013. São os mais lucrativos do mundo, com rentabilidade média em torno de 25%, o que significa que a cada três anos eles dobram seu patrimônio.
O lucro do sistema financeiro vem, principalmente, de quatro fontes. Cerca de 25% em média vem da remuneração de títulos públicos, pagos com tributos da população que deveriam ser canalizados para programas sociais. Outros 25% são oriundos das tarifas bancárias, que antes cobriam cerca de 30% da folha de pagamento dos bancos e hoje cobrem, em média, 170%. Outra parte vem das seguradoras, que são dos bancos.
E a última parte procede de onde deveria vir, ou seja, da intermediação financeira, que é a função do sistema financeiro. E essa parte, por sua vez, vem do spread bancário, um dos mais altos do mundo, o que provoca a prática de juros igualmente elevados. Os bancos estrangeiros que atuam no Brasil (por exemplo, o Santander e o HSBC) cobram juros de 7% ao ano em seus países de origem e aqui cobram 70%.
Esse modelo é nocivo ao Brasil. É urgente que a sociedade brasileira discuta o papel do sistema financeiro e defina que modelo de banco ela quer para o país. A Contraf-CUT, as federações, os sindicatos e a CUT têm um papel fundamental para popularizar esse debate.
Para isso, a Contraf-CUT propõe:
> Convocação por parte do governo federal de uma Conferência Nacional sobre o Sistema Financeiro, que envolva toda a sociedade, como ponto de partida para a regulamentação do Artigo 192 da Constituição, que regula o sistema. A conferência nacional deve ser precedida de conferências estaduais e municipais, de forma que a discussão envolva todos os atores econômicos e sociais.
> Que o Congresso crie a Comissão Parlamentar Mista do Sistema Financeiro, para fiscalizar a atuação dos bancos.
> Que seja garantida a universalização dos serviços bancários, de maneira que todos os brasileiros possam ter conta em banco, sem discriminação de qualquer natureza, e acesso a crédito barato. Essa inclusão implica na abertura de agências ou postos de atendimento bancário em todos os municípios que não possuem esses serviços. É importante ter sempre em mente que a atividade bancária é uma concessão pública, cuja matéria-prima são os recursos financeiros da própria sociedade. Portanto, os bancos (públicos e privados) têm uma função social a cumprir.
Para a regulamentação do Artigo 192, a Contraf-CUT reafirma os princípios contidos no projeto apresentado ao Congresso Nacional em 1992 pela então CNB-CUT, que entre outros pontos defende:
> Redefinição do papel do Banco Central, que hoje funciona como um verdadeiro sindicato nacional dos bancos. É preciso inverter a lógica do BC, de forma que tenha a sociedade como referência e não o mercado. Ele deve incluir em sua missão, além do controle da inflação e da moeda, a implementação de metas voltadas ao desenvolvimento econômico e social do país.
> Ampliação do Conselho Monetário Nacional (CMN), com a inclusão de representantes dos setores produtivos e dos trabalhadores.
> Destinação do crédito por áreas determinadas segundo as necessidades de desenvolvimento econômico nacional ou regional.
> Exigência de manutenção dos empregos em quaisquer operações de incentivo ou socorro financeiro por parte do governo.
> Formulaᄃão de mecanismos de incentivo para o desenvolvimento das microfinanças, o que inclui o aprofundamento do debate sobre a importância do cooperativismo e a atuação dos correspondentes bancários.
> Gestão dos recursos do Fundo Social do Pré-sal devem ficar a cargo, exclusivamente, dos bancos públicos brasileiros. Com isso, estes bancos terão um funding com um volume de recursos considerável, de modo a cumprirem suas tarefas junto ao governo e à sociedade brasileira. Junto com este Fundo, é necessária a manutenção da gestão de todos os demais Fundos com recursos públicos pelos bancos estatais brasileiros, como previsto no §3º do Artigo 164 da Constituição da República Federativa do Brasil.
> Fortalecer os bancos públicos federais, regionais e estaduais.
> Deve ser papel dos bancos públicos brasileiros:
> Contribuir para o desenvolvimento sustentável das regiões do Brasil, notadamente as mais desfavorecidas.
> Ajudar o governo brasileiro nas políticas econômicas que visam reduzir as altas taxas de juros e spreads bancários praticados no País.
> Suprir com recursos baratos e acessíveis os diversos segmentos produtivos da economia brasileira, para que estes possam atingir níveis mais elevados de evolução tecnológica, gerando mais renda e empregos no Brasil.
Fonte: Contraf-CUT