A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) está realizando um concurso de crônicas em homenagem aos 40 anos da Central Única dos Trabalhadores. Este texto serve de apoio e orientação aos participantes.
Numa sociedade em que o livro era coisa rara – até os poucos que saíam eram impressos na Europa – o jornal, que tinha circulação diária para ajudar a economia a se nortear, passou a atrair os chamados “letrados”, pois esse era na verdade o único meio para se publicar. Isso começou ali em meados da primeira metade do século XIX.
Nesse cenário, naquela época e por muitas décadas seguintes, os escritores brasileiros tinham muito orgulho de escrever para jornais. E faziam questão de marcar seu estilo, com o melhor texto que podiam elaborar, sempre bem mais sofisticado que o resto do que se lia nas demais páginas ordinárias em preto e branco, que tratavam basicamente de preços de produtos, cotações de outras moedas do comércio internacional e mazelas políticas. Mais ou menos como hoje, porém com uma redação ainda mais carrancuda.
Assim foi gerada a crônica. E não teve outra, foi flechada e queda: a presença dos artistas das letras caiu no gosto de leitores e leitoras. José de Alencar, o grande romântico brasileiro, foi o principal fundador dessa tradição em nossas terras, com sua badaladíssima coluna Ao correr da pena, hoje reunida em livro, na qual falava dos ministros, da cidade, da política, sim, mas também da lua, da chegada da primavera, de uma caminhada ao ar livre pelo Passeio Público ou ainda da primeira máquina de costura que chegava ao Rio de Janeiro, por exemplo. Isso, lá em 1854, realmente não tinha como não virar sensação…
Depois dele, Machado de Assis também se deleitou com a fama que lhe deu a crônica. Ele, que é tido como o maior romancista do Brasil, admirado por livros como Dom Casmurro, Quincas Borba e Memórias Póstumas de Brás Cubas, era popular em seu tempo pelas crônicas, que fez questão de escrever de 1859 a 1900, praticamente durante toda a sua vida literária e que também lhe dão o título de melhor cronista que já tivemos. Suas obras completas estão disponíveis em um portal do Ministério da Educação, e podem ser apreciadas livremente, inclusive as crônicas, que, definitivamente, merecem ser lidas. Sua variedade mostra tudo de bom que uma crônica pode ter, com temática diversificada, leveza de estilo, sarcasmo e domínio único do bom português.
Nesses seus textos para os jornais, em que se destacam as séries Notas semanais, Bons dias, Balas de estalo e A semana, encontram-se o clima da Guerra contra o Paraguai, as crises dos governos da Monarquia, os problemas sociais de então e questões da economia, claro, mas muitas vezes a partir do diálogo ficcional entre dois burros que puxam um bonde e sonham com a liberdade por causa da chegada da eletricidade no Rio de Janeiro, do debate filosófico entre duas botas velhas e abandonadas ou da intriga entre a agulha e um fio de linha enquanto se costura o vestido de uma dama da sociedade… Imperdível, impagável.
Chamado de “príncipe dos poetas”, Olavo Bilac foi outro primoroso cronista de grande produção, hoje reunida em Bilac, o jornalista, da editora Edusp. Seus textos, basicamente de 1890 a 1910, acompanham, como os de Machado, o noticiário, e por isso abarcam um grande leque temático. Habilidoso na prosa, como nos versos, descreve cenas e tece comentários que, passo a passo, compõem um quadro do país.
Assim o faz ao relembrar dos negros escravizados “o doloroso espetáculo que nos estatelava de surpresa e assombro”, ou ao descrever dos imigrantes a “vida longa de miséria e suor mal pago”. Mas Bilac vai muito além em sua crônica, para tratar de cobertura jornalística via telefone, de acidentes de bonde em cidades como São Paulo e Rio, da influência do jornal na sociedade, da condição social da mulher, do analfabetismo, da literatura, do jornalismo e da própria crônica, entre incontáveis outros temas.
Na transição do século XIX para o XX, também deram brilho à crônica Lima Barreto e João do Rio, cada um a seu modo, ao descrever a sociedade brasileira, em especial a partir de olhares sobre o Rio de Janeiro, cidade que retratam tanto pelas relações sociais, econômicas e culturais, como também pela descrição física da urbe em si.
O mesmo fez António de Alcântara Machado com São Paulo, só que um pouco adiante, entre as décadas de 1920 e 1930. Toda a transformação da capital paulista em metrópole é registrada por sua pena, ou sua máquina de escrever, que então timidamente começava a ser usada. Em seu jornalismo literário vemos os primeiros arranha-céus, o crescimento do burburinho do centro histórico, a consolidação dos jornais diários e do sistema financeiro, um impulso de industrialização, a vida cultural, o frenesi causado pelo automóvel, o dia a dia da vida operária e aquilo que ele trata como futilidade das classes mais altas, entre inúmeros outros tópicos.
Vale a pena conhecer todos esses cronistas, encantadores tanto pelas estórias e histórias que contam, como pela qualidade de seus textos.
A partir dos anos 1930, que coincide com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, a presença da crônica no cotidiano do brasileiro só fez aumentar. E o modesto gênero literário – ou requintado gênero jornalístico – tornava-se mais e mais charmoso, na lavra de clássicas escritoras como Cecília Meireles, Raquel de Queiroz e Clarice Lispector, e de clássicos escritores como Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Antônio Maria, Paulo Mendes Campos, Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto) e Rubem Braga. Nesses links, do Portal da Crônica Brasileira, além de informações dos escritores, há uma antologia bastante representativa da crônica de cada um e de diversos outros grandes nomes do gênero.
Esse mar de estórias, aberto a todo bom leitor, é todo envolvente, mas algumas não podem deixar de ser conhecidas. De Clarice, “A descoberta do mundo”, “Ao correr da máquina”, “Restos de carnaval” e “A antiga dama”. De Raquel, “Terra nova”, “Moça”, “Simples história do amolador de facas e tesouras” e “Uma simples folha de papel”. De Drummond, “Glória”, “Gravação”, “Estória” e “Da utilidade dos animais”. De Sabino, “O homem nu”, “A última crônica”, “Notícia de jornal” e “Macacos me mordam”. De Ponte Preta, “Gol de padre” e “A velha contrabandista”. Mas listas são pura bobagem, pois todas as crônicas e todos os cronistas valem a pena.
Rubem Braga, no meio de tantos nomes majestosos, merece uma notinha em particular, pois não era escritor ou artista de outra área, como os demais cronistas. Jornalista, Braga é o único que entre eles só escreveu crônicas. Ainda assim, com produção exclusiva nesse gênero considerado menor e modesto, é tido por especialistas um dos mais habilidosos no trato com o português brasileiro, ao lado de Machado de Assis.
Suas crônicas encantam pela modéstia, simplicidade e elegância na escrita, para abordar sentimentos profundos, como quando rememora a infância, por exemplo, em “Teixeiras I”, “Teixeiras II” e “Teixeiras III”, que, no conjunto, compõem um dos contos mais belos de toda a literatura brasileira.
Sua antologia, porém, inclui muitos outros momentos sensíveis, como o clássico “Cajueiro”, também sobre reminiscências de sua vida no interior do Espírito Santo. Ou ainda reflexão sobre a solidão, sempre com ironia, como em “O telefone”. No mesmo formato de mensagem aberta a alguma autoridade, em “Carta ao prefeito” destila saborosa crítica aos desmandos na administração da cidade do Rio.
Não raro, com muito humor essa acidez recai sobre si mesmo, como na genial “O crime (de plágio) perfeito”. Também encanta sua observação às coisas mais simples do cotidiano, como em “O padeiro” e “O vassoureiro”.
Porém, já que “O Velho Braga” é muito grande para se conhecer em meia dúzia de textos, pois em décadas no jornalismo tratou de uma infinidade de assuntos, nas formas mais originais, que ao menos lhe caiba o ponto final deste texto de incompletas indicações de cronistas, com uma ou outra dica sobre como escrever “Crônicas”.
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