Nascida e criada em São Luís, no Maranhão, a trajetória política de Maria Júlia Reis Nogueira explode nos 1980, no processo de redemocratização do país. “Como não tínhamos o direito de reunião, político, nós criamos associações que tinham o verniz de recreação, mas que funcionam na prática com finalidades de caráter político e já com um pé na luta sindical”, conta.
Após 1988, Maria Julia ajudou a criar o Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência do Maranhão. Hoje ela é funcionária pública federal aposentada, e concentra sua atuação em pautas que dialogam com questões elementares para a justiça social do país: o combate ao racismo e o direito dos trabalhadores e trabalhadoras de se aposentar.
Em razão do Dia da Consciência Negra, memorado nesta segunda-feira, dia 20 de novembro, conversamos com Maria Julia sobre a democracia brasileira, o papel do Estado e do movimento sindical no combate racismo, e as ações que podem, efetivamente, enfrentar a desigualdade de oportunidades e condições de vida entre pessoas negras e pessoas brancas no Brasil.
Qual é a abordagem ou ação que você acredita ser mais efetiva no combate ao racismo?
Maria Julia Reis Nogueira: O racismo é muito forte na sociedade brasileira. E não precisamos de muito para comprovar isso. Todos os dias vemos notícias que mostram que estamos nos trabalhos precários, nos maiores índices de letalidade policial e violência doméstica. E sabemos que é isso porque a história foi construída para que tenhamos menos oportunidades, menores salários. Eu acredito muito na lei que adequa o currículo escolar para que o ensino de História da África esteja na base do ensino. As pessoas entender não só o que o racismo significa, mas também que o povo negro é responsável pela produção de riqueza do Brasil. O combate ao racismo precisa ser uma responsabilidade de toda a sociedade, não só dos negros e negras. Por isso eu acho que isso precisa ser um projeto de Estado a partir da Educação.
Então você acredita que o antirracismo deve vir essencialmente a partir de políticas públicas?
Maria Julia Reis Nogueira: É preciso reparação, e reparação não vai vir de doação. Um bom exemplo é a equiparação dos direitos das trabalhadoras domésticas com outras categorias. Quanto tempo levou para que essas mulheres fossem vistas como trabalhadoras, sujeitas de direitos? Isso é uma herança da escravidão, quando as negras trabalhavam de sol a sol e não ganhavam nada por isso. Não podemos tolerar nenhum tipo de diferenciação, e quem tem que tomar as rédeas disso é o Estado.
E de que maneira o movimento sindical deve atuar no antirracismo?
Maria Julia Reis Nogueira: A CUT tem avançado muito nessa pauta. Estamos completando 40 anos esse ano e está lá no nosso estatuto que não toleramos nenhum tipo de racismo. O combate ao racismo no interior na central é muito importante para nós, mas queremos endereçar esse debate aos dirigentes sindicais de todo o país. O combate ao racismo precisa estar nas convenções coletivas.
Como você, que lutou pela redemocratização do país, avalia a democracia brasileira hoje, após um golpe e um governo de extrema-direita?
Maria Julia Reis Nogueira: A história da humanidade é feita de avanços e retrocessos. Um desses avanços é a Constituição Federal de 1988. Ela é um marco para o país do ponto de vista dos direitos. Depois, tivemos 8 anos de governo Lula e mais 6 de governo Dilma, que foram períodos em que conseguimos avançar na organização e na conquista desses direitos estabelecidos em 88. Com o golpe da presidenta Dilma em 2016 voltaram os retrocessos. Foi na esteira desse marco de retrocesso que tivemos uma Reforma da Previdência muito ruim para a população e que a precarização do trabalho avançou a passos largos. Agora, com Lula de novo no governo, temos uma boa chance de cuidar de novo do nosso povo e da nossa democracia. Temos muito trabalho pela frente.
O atual governo está discutindo uma nova Reforma da Previdência. Como você compreende que uma outra reforma deve ser encaminhada agora?
Maria Julia Reis Nogueira: Nós temos um grande problema do ponto de vista das eleições no Brasil. Elegemos Lula, mas não conseguimos eleger parlamentares que façam coro ao projeto que a população elegeu. O Executivo está enfraquecido, as propostas são barradas e o Congresso não atende as necessidades do povo. E digo isso para falar do projeto de taxação das grandes fortunas. A gente precisa de recursos para que a conta fique quase toda com o trabalhador. Sem isso, não vamos conseguir garantir renda para a classe trabalhadora.
Fonte: CUT