A segunda onda da covid-19 se alastra pelo mundo. Na Europa, países retomam lockdown e toque de recolher; nos Estados Unidos, pandemia fora de controle em quase todo o país. No Brasil, a cidade de Manaus, capital do Amazonas, dá sinais de que pode ser o ponto de partida de um agravamento da pandemia, com aumento diário de novos casos e mortes.
Uma segunda onda da covid no Brasil é dada como certa por cientistas como Miguel Nicolelis e alertam médicos como o ex-ministro Alexandre Padilha. O país já soma 158.969 mortos e 5.494.376 casos de covid-19 desde março. Nas últimas 24 horas, foram 513 vítimas e 26.106 infectados, segundo boletim desta quinta (29) do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde, o Conass.
A situação aqui pode se tornar mais grave do que em grande parte do mundo. Isso porque o país pouco fez durante a primeira onda. O governo federal sempre atuou contra medidas para proteção das pessoas e a covid-19 se tornou a principal causa da morte de brasileiros este ano, superando até mesmo cânceres e doenças cardiovasculares. O país é oficialmente o segundo em número de óbitos, atrás apenas dos Estados Unidos.
“A Europa vai mal porque a onda deste inverno lá já começou com mais vírus espalhado e as pessoas menos dispostas a se isolar. No Brasil isso deve ser muito mais agravado. E Manaus está passando por um aumento de casos agora, ou seja, nem na capital mais atingida a imunidade protege”, disse hoje o biólogo e divulgador científico Atila Iamarino.
Atila traçou um panorama sombrio da segunda onda na Europa em suas redes sociais. Na Bélgica, relatou, já existem casos de pessoas morrendo sem leito de hospitais. “A situação é tão séria que precisam manter os médicos com covid-19 trabalhando, porque falta mão de obra. Isso é a beira do colapso do sistema de saúde deles”, explicou, citando fontes locais.
Cientistas suíços identificaram novas mutações da covid-19 circulando pelo continente. Em especial uma delas, 20A.EU1, que surgiu provavelmente no norte da Espanha e se espalhou com grande velocidade. Entre os fatores que estimularam o descontrole estão as flexibilizações de medidas de isolamento e eventos com aglomerações na Espanha, além de viagens entre os países.
“O aumento da prevalência de 20A.EU1 em toda a Europa implica que as diretrizes e restrições para viagens de verão não foram suficientes para prevenir a transmissão”, argumentam os cientistas da Universidade de ETH Zurich e da Universidade de Basel, na Suíça.
O epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz do Amazonas Jesem Orellana divulgou um alerta sobre o agravamento da pandemia na capital do estado. “A crítica situação de Manaus pode ser resumida mediante a interpretação do crescimento sustentado e avassalador de internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) devido à covid-19 ou SRAG não especificada; de internações em leitos de UTI e pela trágica mortalidade específica por covid-19”, completa.
Jesem alerta para um aumento de 80% nas internações por SRAG em dois meses. “No período de 1 a 20 de agosto ocorreram 305 internações novas por SRAG devido a covid-19 ou SRAG Não Especificada em residentes em Manaus. Dois meses depois, no período de 1 a 20 de outubro, o número de internações novas por SRAG devido a covid-19 ou SRAG Não Especificada aumentou quase 80%, passando para 539.”
Na segunda-feira (27), o governador amazonense, Wilson Miranda Lima (PSC), reconheceu que 95% dos leitos de UTIs na cidade já estão lotados. O receio é do retorno ao caos observado nos primeiros meses da pandemia no Brasil, entre março e maio. Na época, Manaus abriu covas coletivas, o sistema de Saúde entrou em colapso e houve relatos de óbitos ocorridos nas casas das vítimas, sem cuidados médicos.
“Não custa lembrar que, segundo a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), em torno de 70% dos pacientes ventilados (em que a respiração é induzida com auxílio de aparelhos) em hospitais públicos do Brasil vão a óbito. Não é por acaso que, Manaus, a capital mais negligente no gerenciamento da epidemia no Brasil e talvez do planeta, está novamente mergulhada em uma segunda onda”, afirma Jesem.
O epidemiologista denuncia o descaso brasileiro com medidas de isolamento social e de contensão do vírus. Logo, o resultado é um grande número de vítimas que não precisariam morrer. “Deveriam anunciar mais medidas de restrição à circulação de pessoas e, consequentemente, à circulação viral. Entretanto, o governo do Amazonas ofereceu como solução o aumento no número de leitos de UTI e respiradores. Como se não soubéssemos que UTI para pacientes de covid-19 se assemelha a uma sentença de morte, especialmente entre os pacientes ventilados mecanicamente”, lamenta.
“Portanto, o negacionismo desta nova fase da crise sanitária e humanitária em que Manaus se encontra mergulhada, parece fadado a simples contagem de mortos, tal como na primeira onda. Milhares perderam suas vidas e outros milhares ficaram com inúmeras sequelas”, finaliza.
Fonte: Contraf-CUT