RBA
Vitor Nuzzi
São Paulo – O plenário da Câmara dos Deputados rejeitou na noite desta terça-feira (10) a Proposta de Emenda à Constituição 135, a PEC do voto impresso. Apesar da pressão governista, o resultado confirmou as expectativas, mas o placar foi diferente do previsto: 229 parlamentares votaram a favor do projeto e 218 contra, com uma abstenção. O número foi insuficiente para aprovação (308). Com isso, a PEC será arquivada. O resultado foi anunciado exatamente às 22h.
Um substitutivo já havia sido derrubado em comissão especial na última quinta-feira (5), por 23 a 11, mas diante da gritaria bolsonarista o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu levar a matéria ao plenário. Para, segundo ele, “pacificar” a questão. Deputados ligados ao presidente fizeram várias tentativas de adiar a sessão desta noite, mas foram derrotados.
Agora, a expectativa é para saber se o presidente da República cumprirá o que garantiu ao próprio Lira, respeitando o resultado da votação no parlamento. Antes disso, o desfile militar de hoje na Esplanada foi visto pela oposição como uma tentativa de intimidar os deputados. Já o presidente da Casa falou em “trágica coincidência” e cogitou adiar a votação. Para a oposição e outros setores do parlamento, o governo tentava desviar a atenção dos reais problemas, como desemprego, inflação e pandemia.
Segundo a Marinha, o objetivo do desfile era convidar o presidente da República para participar de treinamento das três Forças, que ocorre desde 1988, mas em Formosa (GO), sem passar pela capital. “No país polarizado, isso dá cabimento para que se especule algum tipo de pressão. Entramos em contato com o presidente Bolsonaro, que garantiu que não há esse intuito”, afirmou o presidente da Câmara. “Mas não é usual, é uma coincidência trágica dos blindados para Formosa. Isso apimenta este momento.” Durante o dia, jornalistas afirmaram que o ato de Brasília foi um pedido do presidente da República.
Na sessão, iniciada depois das 19h, a defesa da PEC foi feita basicamente por parlamentares do PSL. Um deles chegou a se queixar do “monopólio” do processo eleitoral pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Autora do projeto, a bolsonarista Bia Kicis (DF) disse que o debate foi desvirtuado e que o objetivo era dar “transparência e segurança” às eleições. Como outros de seus colegas, ela afirmou que era preciso “despolitizar” o tema. Mas o presidente da República fez repetidos ataques a ministros e chegou a questionar a própria realização da eleição de 2022 caso o voto impresso não fosse aprovado.
Arlindo Chinaglia (PT-SP) observou que, em um quarto de século, nunca houve comprovação de fraude. “Se esquecem que o voto impresso é gerado pelo mesmo software. Se esquecem que a conferência, através do relatório de urna, é feita pelo mesmo software. Aí tentam provar que de três partes do mesmo software só uma está isenta de suposta fraude. Isso não se sustenta, nem pelos fatos, nem pela lógica”, rebateu. Do ponto de vista político, acrescentou depois, o presidente da República fez seguidas ameaças ao processo eleitoral e à própria democracia. Seu objetivo com a PEC, disse ainda, era criar “instabilidade jurídica”.
Líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP) lembrou ter sido o autor de um pedido de auditoria no TSE, nas eleições de 2014. Esse processo demorou um ano, e no final ele chegou à conclusão de que o sistema não demonstrou fraudes, mas não era auditável. Porém, no final de 2019, o TSE aprovou resolução (23.603), que ele considerou “pormenorizada e cuidadosa”, atendendo a vários questionamentos apresentados pelo partido. Com isso, o deputado concluiu: “Não tenho a menor dúvida de que o sistema é seguro”.
Para Carlos Zarattini (PT-SP), a proposta em discussão não tem como objetivo garantir a lisura do processo eleitoral. “Mas exatamente o contrário. Colocar uma dúvida sobre um resultado que sequer aconteceu ainda. É promover anarquia, uma situação fratricida, de disputa muito além da disputa política, eleitoral, transformar numa política violenta, que pode inclusive colocar em risco a democracia brasileira, que precisa ser preservada.”
Alice Portugal (PCdoB-BA) reforçou que o debate sobre o voto impresso não é técnico, como tentaram falar os governistas, mas político. O presidente visa um “tumulto impresso”, afirmou. “Um Capitólio para chamar de seu”, acrescentou, referindo-se à invasão do Congresso norte-americano, em janeiro, por partidários do então presidente Donald Trump, para contestar a derrota eleitoral para Joe Biden.
Nos últimos dias, pelo menos dois terços dos 24 partidos com representação na Casa se posicionaram contra a PEC – algo que não se refletiu na votação final. Assim, Avante, Cidadania, DEM, PCdoB, PDT, PL, PSB, PSD, PSDB, PT, SD, Psol, PV e Rede orientaram suas bancadas contra a PEC governista. PSL e Republicanos, a favor. Já Progressistas, PSC, Pros, PTB, Novo e Patriota liberaram as bancadas. Uma emenda constitucional precisa de 308 votos em dois turnos na Câmara.
Prevendo a derrota, bolsonaristas pressionaram pelo adiamento da sessão. Lira também tentou ganhar tempo, mantendo na pauta a MP 1.045, de redução de jornada e salário, que acabou aprovada. Pouco antes das 21h, o presidente da Casa repetiu declarações dos últimos dias, dizendo que o tema não deveria ter “vencedores e vencidos”. Ao anunciar o resultado, disse esperar que a questão tenha sido encerrada.
Para Pompeo de Mattos (PDT-RS), o fato “lamentável” de hoje foi uma espécie de “retrato mal desenhado” que expõe a “insanidade” do presidente, em sua tentativa de intimidar o Congresso. “Vai dar com os burros n´água. O Exército não precisa se expor a essa realidade, nem a Marinha, nem a Aeronáutica. Não são do governo, são do Estado brasileiro. Além da fumaça que polui Brasília, ficou a ameaça à democracia.” O PDT pediu “interdição” do presidente à Procuradoria-Geral da República.
O deputado Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho (PT-SP), chamou o episódio de pantomima. “Que envergonha as autoridades militares, os homens sérios, legalistas, que compreendem o papel das Forças Armadas”, acrescentou. Para Rogério Correia (PT-MG), o ato representa desrespeito às próprias Forças. “A intenção dele é desestabilizar as instituições”, comentou. “Hoje, o presidente envergonhou o Brasil.”
Ainda durante a tarde, o 1º vice da Casa, Marcelo Ramos (PL-AM), foi mais um a lembrar que o debate desvia a atenção para os verdadeiros problemas do país: “560 mil mortos, 15 milhões de desempregados, 19 milhões de brasileiros e brasileiras com fome, inflação descontrolada, 800 mil empresas fechadas em decorrência da pandemia. E hoje só se fala em voto impresso e tanque nas ruas”. Para ele, não há espaço para “crises artificiais”.
Presidenta do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR) destacou a inflação crescente de alimentos, combustíveis e energia, entre outros itens. “Não temos um governo eficiente, que governe para o povo”, afirmou. “Com toda essa situação de dificuldade, o que está fazendo Bolsonaro? Está pensando em eleições. Quer mudar o sistema eleitoral. Ele quer tumultuar. Quem tem voto não se esconde atrás de tanque.” Henrique Fontana acrescentou afirmando que o presidente “tem vocação para ditador, não presidente num regime democrático”.
“(O presidente) passoua defender essa pauta quando viu que vai perder na urna”, disse o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), apontando a “falta de capacidade de mostrar resultado” do atual mandatário. “O que o Bolsonaro quer é jogar na confusão.”