CUT Nacional
Rosely Rocha
O pastel, típico das feiras de São Paulo, está mais caro. Os preços costumam variar dependendo do local em que é vendido, mas uma coisa é certa: o aumento foi generalizado e a culpa é dos preços do óleo de soja que dispararam este ano.
E não é só o pastel que vem sendo reajustado absurdamente no país. Todos os produtos da cesta básica vêm aumentando, reduzindo o poder de compra dos brasileiros de classe média e pobres, os mais prejudicados pela pandemia do novo coronavírus, seja porque foram demitidos, tiveram os salários reduzidos ou ficaram impossibilitados de trabalhar nas ruas por causa do isolamento social.
A situação é preocupante, não apenas por causa do estrangulamento da renda familiar dos brasileiros, mas porque o baque na economia desses desajustes já era esperado e o governo não fez nada para impedir que isto acontecesse, avalia o economista Marcelo Manzano, pesquisador da Unicamp.
Mais de 62% de reajuste só no óleo de cozinha
Só na capital paulista, o reajuste do óleo de soja foi de 62% este ano, segundo a pesquisa de preços da cesta básica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). E no mês de setembro os preços do produto dispararam ainda mais nas 17 capitais pesquisadas pelo órgão. O maior reajuste foi em Natal (RN), onde o valor de um mês para outro subiu 39,62%. Em Goiânia (GO), o produto aumentou 36,18%, em Recife (PE), 33,97%, em João Pessoa (PB) 33,86%, em São Paulo (32,21%) e em Salvador (BA) ficou acima de 30%.
A alta dos preços do óleo de cozinha, usado para fritar ovo, bife, peito do frango, batatas e até a cebola antes de colocar o arroz para cozinhar, ou o pastel da feira e o acarajé da baiana, afeta os brasileiros, em especial os mais pobres, que dependem do produto para preparar a refeição da família ou manter seu pequeno ou médio negócio, seja ele informal ou microempreendedor do setor alimentício. Em São Paulo, por exemplo, além das feiras, têm pastelarias pequenas ou médias em quase todos os bairros da cidade, sem contar as barracas de praia que vendem centenas de pasteis por dia.
O pastel dos paulistanos está mais caro
Numa feira livre da Vila Romana, zona oeste da capital paulista, o preço do pastel subiu de R$ 5,00 para R$ 6,00 e já chega a R$ 8,00 em outros locais, conta Cláudio Omine, dono de uma barraca de pastel, cujo negócio passou de pai para filho e sustenta sua família há mais de 45 anos.
Barraca de pastel na Vila Romana - SP
“Nunca vi subir tanto assim. Pra mim, que compro de galão, o preço dobrou e tive de repassar pros clientes, mas não posso repassar tudo, senão o pessoal não compra”, diz Claudio, que gasta 18 litros por dia na fritura de 300 a 400 pastéis.
Segundo ele, a pandemia do novo coronavírus (Covid-19) já havia afetado negativamente suas vendas, e agora com o repasse do preço do óleo para o pastel, as vendas caíram novamente, em torno de 10%.
“É a primeira vez que sinto queda nas vendas por causa do repasse do preço do óleo. É um absurdo, mas se continuar aumentando terei de repassar o valor novamente”, se queixa o comerciante, que mantém três funcionários trabalhando de terça a domingo nas feiras livres.
E o acarajé dos baianos também...
Na Bahia, o preço do óleo também já é sentido pelas vendedoras de acarajé, que por enquanto estão segurando os preços, mas não sabem até quando. De janeiro a setembro, o óleo aumentou em Salvador 56,9%. O acarajé custa R$ 9,00 sem camarão e R$ 10,00 com camarão.
Barraca de acarajé, Salvador -Bahia
Jussara Santos, de 42 anos, trabalha com acarajé mantendo uma tradição de família há mais de 50 anos na capital baiana, Salvador. Segundo ela, o óleo representa 10% do custo do acarajé e que o aumento no preço desse produto pode representar um repasse para os clientes dos tradicionais bolinhos e outras iguarias presentes em seu tabuleiro.
“Eu utilizo em média 48 litros de óleo por dia. O preço está pesando, mas por enquanto estou conseguindo segurar o repasse aos clientes. É difícil porque é com a venda do acarajé empregamos 20 trabalhadores e trabalhadoras”, diz preocupada a baiana do acarajé.
Tabuleiro de acarajé em Salvador, Bahia
Esta situação para o pequeno comerciante; os informais que viram na venda de salgados e doces uma saída para a sobrevivência em época de desemprego; e para as famílias brasileiras pode piorar ainda mais com a pressão dos preços dos alimentos da cesta básica.
O Indicador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de Inflação por Faixa de Renda, divulgado na quarta-feira (14), mostra que, em agosto, entre as famílias pobres com renda de até R$ 1.650,00, o impacto dos preços dos alimentos foi de 0,20 %, já para a classe de renda mais alta, com ganhos maiores de R$ 16.509,66, o impacto do reajuste dos alimentos foi bem menor: apenas 0,05%. Isso é menos poder de compra nas mãos dos brasileiros que mais precisam.
No acumulado em 12 meses encerrados em agosto, a inflação dos grupos mais pobres registrou variação de 3,2%, atingindo uma taxa mais de duas vezes superior à apontada pelas famílias de maior poder aquisitivo (1,5%). Mais da metade (53%) da variação total da inflação dos mais pobres em agosto veio dos alimentos e bebidas.
O que está ruim, pode piorar
E a tendência de aumento nos preços dos alimentos pode piorar para as famílias mais pobres. Primeiro porque com o fim do auxílio emergencial de R$ 600,00 no final do ano, as pessoas ficarão sem renda sequer para comer, segundo porque o índice de desemprego deve continuar em alta, e terceiro, o governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), com sua política econômica neoliberal, não estocou alimentos para o período de entressafra, que poderia ser agora utilizado para diminuir os preços da comida que chega à mesa dos brasileiros, avalia Marcelo Manzano, economista e pesquisador da Unicamp.
“O governo Dilma Rousseff [PT] foi o último a fazer estoque regulador de alimentos, principalmente de arroz. Michel Temer [MDB-SP] e Bolsonaro não estocaram alimentos porque rezam na cartilha neoliberal de que isto seria interferência indevida nos preços do mercado, e quem paga por isso são os mais pobres”, diz Manzano.
Para evitar a disparada de preços dos alimentos em função do câmbio favorável às exportações, o economista avalia que o governo, já que não fez estoque regulador, poderia tributar as exportações como vem ocorrendo em outras partes do mundo.
“Na Argentina o atual presidente, Alberto Fernández, taxou as exportações como medida protetiva para manter uma oferta de alimentos dentro do seu país. No Brasil, ao contrário, quando o preço internacional é favorável aos produtores, eles preferem exportar do que alimentar o brasileiro. No limite, o governo poderia estabelecer cotas físicas de bloqueio, dizendo o percentual que cada produtor poderia exportar. É preciso que a produção de alimentos não vaze porque todo mundo precisa comer todo dia, mesmo que seja um pastel ou o refogadinho, que dependem de óleo”, avalia Manzano.
A gestão econômica neoliberal joga tudo para o mercado decidir, e nesta turbulência, quem tem menos condições de se proteger são os mais pobres, que sempre pagam o preço- Marcelo Manzano
Outro efeito indireto da alta dos preços dos alimentos que preocupa o economista é a possibilidade do governo atender à pressão do mercado financeiro, dos rentistas e aumentar a taxa de juros, o que seria catastrófico para o país sair da crise econômica.
Segundo Manzano, o Banco Central (BC) pode avaliar que este repique nos preços exige medida de contração da demanda, e para evitar a volta da inflação, aumentaria os juros. Mas isto, na verdade, só atenderia quem investe em fundos que vêm perdendo ganhos, Em setembro de cada três fundos, dois perderam dinheiro.
“Para os grandes fundos de investimentos interessa o aumento da taxa de juros porque os rentistas vivem disso e, embora não faça sentido o BC nesta crise profunda aumentar os juros, os preços dos alimentos, com a volta da inflação, podem servir de desculpa para se manter os ganhos dos mais ricos em detrimento dos mais pobres”, afirma Manzano.
Colaboração: Edmilson Barbosa - CUT/BA