RBA
Cida de Oliveira
São Paulo – A demora do Supremo Tribunal Federal (STF) em julgar ação que obriga o governo federal a adotar medidas protetivas deixa os povos quilombolas ainda mais vulneráveis e pode levar ao genocídio nessas comunidades. A afirmação é de Sandra Maria Andrade, integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). “É um descaso do Supremo, que é ágil em relação a julgamentos de interesse dos ministros. Ninguém gosta quando falamos que há um racismo institucional no Brasil. E se isso não é racismo, é o que então?”, questiona a liderança.
Em 9 de setembro, a Conaq, o PT, PCdoB, Psol, PSB e Rede ingressaram com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 742/2020. A ação obriga o governo de Jair Bolsonaro a adotar medidas para proteger os povos quilombolas da pandemia.
Entre as medidas reivindicadas ao STF, destacam-se a inclusão de quilombolas no grupo preferencial de vacinação contra a covid-19 e a suspensão de ações de despejos e remoções dessas comunidades no âmbito da pandemia.
No entanto, a ação só entrou na pauta cinco meses depois, em 12 de fevereiro. Até a edição desta matéria, apenas o relator, ministro Marco Aurélio, e o ministro Edson Fachin haviam votado. O caso está em avaliação no plenário virtual da Corte e esperava-se a continuidade do julgamento nesta segunda-feira (22).
De acordo com a liderança quilombola, a omissão do governo federal é total. Apesar da maior vulnerabilidade, esses povos não foram incluídos no grupo prioritário para vacinação, e não há nenhum tipo de assistência nos quilombos.
Além disso, as estatísticas epidemiológicas ficam a cargo das próprias comunidades. “Estamos contando nossos mortos. Dos mais de 240 mil mortos no Brasil, a maioria é de negros. A vulnerabilidade nos quilombos é acentuada por conflitos agrários com latifundiários. Além de o governo não cumprir suas obrigações, há o descaso no STF, que nos coloca a caminho do genocídio. Também não há políticas no âmbito dos estados e municípios, para os quais estamos mandando ofícios. Estamos à deriva, em total abandono”, alerta Sandra.
Conforme o IBGE, há no Brasil 5.972 localidades quilombolas. Mas, segundo os registros da Conaq o número passa de 6,3 mil comunidades. Os casos de contaminação nessas localidades têm sido monitorados de maneira autônoma, em parceria com algumas organizações locais.
Até o dia 16, pelo menos 205 quilombolas haviam morrido devido a complicações da covid-19. Foram notificadas 4.926 pessoas infectadas e outras 1.434 aguardavam resultados de exames.
Em seu voto, o relator Marco Aurélio acolheu parcialmente o pedido da Conaq e partidos políticos, reconhecendo a omissão do Estado. Deu 72 horas de prazo para o governo criar um grupo de trabalho interdisciplinar. Por sua vez, este grupo deve apresentar, em até 30 dias, um plano de enfrentamento da pandemia de covid-19 entre a população quilombola.
O voto foi seguido por Fachin, que reconheceu ainda a garantia de suspensão de ações de despejos e remoções de comunidades quilombolas durante a pandemia.
Esta não é a primeira vez que o STF leva “em banho-maria” o julgamento de ações de interesse dos quilombolas. Em 2004, o antigo Partido da Frente Liberal (PFL) – atual DEM – ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239/2004. O partido questionava a validade do Decreto 4.887/2003, que garantia a titulação das terras ocupadas por remanescentes dessas comunidades.
Somente em 2018 – 14 anos depois, portanto – os ministros do Supremo reconheceram o direito à identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. No entanto, o governo de Jair Bolsonaro paralisou todos os processos de regularização desses territórios.