CUT Nacional
Rosely Rocha
A ameaça de racionamento de energia, medida típica de governos incompetentes na gestão dos bens públicos, e o tarifaço de preços que podem inviabilizar o consumo tanto nos domicílios residenciais como para empresas deixaram de ser segredo dos corredores do poder e passaram a ocupar as capas dos jornais. Esses problemas também são típicos de governos que promovem o desmonte das empresas, como o governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) vem fazendo, para vender estatais como a Eletrobras, a preço de banana.
Os acontecimentos de hoje são um “revival” dos anos 1990, que levaram ao racionamento de 2001, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), outro que não fez planejamento nem investiu no sistema elétrico brasileiro, denuncia o diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel), o engenheiro elétrico, Ikaro Chaves.
Naquele período, diz ele, a Eletrobras também estava na mira da privatização e estava proibida de investir, como ocorre hoje. O apagão da era tucana que fez a população brasileira sofrer, assim como os possíveis racionamentos da era bolsonarista têm o mesmo DNA: falta de planejamento e de investimentos. Em 2001, enquanto os brasileiros reduziam o consumo de energia em suas casas, o País sofria um prejuízo econômico de R$ 42,5 bilhões.
“Naquela época se esperava que o mercado privado investisse no sistema elétrico. Não investiram, como não vão investir agora também. Toda crise hídrica é sazonal, de tempos em tempos e o setor não está preparado para responder”, afirma.
Existe a possibilidade real de racionamento, por falta de planejamento, monitoramento e investimento do governo federal desde o governo de Michel Temer, e Bolsonaro segue na mesma linha- Ikaro Chaves
O problema volta a atingir o Brasil. O Ministério das Minas e Energia já anunciou que poderá haver um racionamento, alegando que isso ocorrerá devido ao longo período de estiagem. Só não disse que esse evento climático é previsível e que acontece com frequência no país. Segundo os técnicos do ministério, pode não haver água suficiente nas hidrelétricas para gerar energia.
Já a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também avisou no último dia 28 de maio que, por causa da seca, vai acionar a partir de junho, a bandeira vermelha 2, a mais cara das tarifas extras, que representa uma cobrança adicional de R$ 6,24 para cada 100 kWh consumidos.
Aplicar um racionamento e aumentar exorbitantemente o preço da energia, o chamado “tarifaço”, por causa da chuva é mais uma desculpa do governo Bolsonaro que não fez investimentos necessários, mesmo sabendo que uma crise hídrica poderia ocorrer, afirma o engenheiro da Eletrobras.
Segundo ele, os períodos de seca, como os de dezembro passado a maio deste ano, são previsíveis, e o que falta ao governo atual é investir em energias renováveis como a eólica e a solar, bem como construir hidrelétricas reversíveis, comuns na Europa e Estados Unidos, nas quais são armazenadas energia para eventuais períodos de escassez.
Ikaro Chaves explica que a energia eólica é responsável por apenas 10% do consumo no país e a solar, no Brasil, de clima tropical, corresponde a menos de 2%. Já as termoelétricas, que o governo prefere utilizar, têm custo mais caro porque precisam de gás natural e diesel para funcionarem.
“Era preciso construir usinas termoelétricas, era, mas se não fossem os investimentos feitos pelos governos Lula e Dilma, o Brasil nem teria energias renováveis, nem a construção de diversas hidrelétricas no país”, conta Ikaro.
Os governos do PT investiram R$ 100 bilhões na construção de novas hidrelétricas, nas energias renováveis e na ligação de todo o sistema brasileiro. O Brasil acrescentou 70% à sua capacidade energética. Foram esses investimentos que evitaram um apagão como o que ocorreu em 1999, e o racionamento de energia entre 2001 e 2002, no governo de FHC- Ikaro Chaves
A responsabilidade dos órgãos de controle
O dirigente explica ainda que a possibilidade do racionamento não pode ser colocada apenas nas costas da Eletrobras, mas de todo um sistema que não previu, nem se preveniu, para o que está ocorrendo atualmente.
De acordo com ele, o setor elétrico brasileiro tem uma série de agentes, o Ministério das Minas e Energia e comitês de monitoramento, como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE); a Aneel e diversas empresas do setor de energia, não só a Eletrobras, que é a mais importante, mas não é a única. Para ele, esses órgãos falharam no monitoramento dos níveis de água das hidrelétricas.
“Se o país já tivesse acionado as usinas térmicas anteriormente e utilizado mais as energias solar e eólica, que não podem ser ‘reservadas’, a água das hidrelétricas poderia ter sido economizada. Todos esses agentes falharam em não se programarem para a estiagem, que é um período que passamos todos os anos. Alguns com maior gravidade, outros não. Na verdade, a falha do governo federal é sistêmica”, diz Ikaro.
Somente na última semana é que o Sistema Nacional de Meteorologia (SNM) emitiu o primeiro Alerta de Emergência Hídrica para o período de junho a setembro, na região da Bacia do Paraná, que abrange os estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná.
Mas, o engenheiro da Eletrobras diz que todos os estados serão afetados pelo racionamento com a falta de chuva, porque as bacias do Rio Tocantins, que percorre Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará, bem como a do Rio São Francisco, que passa por Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, e o Rio Grande, que banha Minas e São Paulo e é um dos formadores do Rio Paraná; nascem entre os estados de Minas Gerais, Goiás e São Paulo.
“Esses rios são a ‘caixa d’água’ do Brasil. Engana-se quem acha que apenas esses estados serão afetados. O sistema elétrico brasileiro é todo interligado. Nos anos 1990 sobrava energia no sul e faltava no norte e centro-oeste, mas com o sistema todo conectado, a crise vai ser nacional”, acredita Ikaro.
Racionamento de energia impede a retomada da economia
O engenheiro da Eletrobras defende que a energia elétrica não é um bem qualquer, que seu consumo possa ser dispensado. Segundo Ikaro, na pós- pandemia qualquer possibilidade de melhora na atividade econômica, com o país racionando energia, será prejudicada. As indústrias e empresas não darão conta da demanda. Se as hidrelétricas pararem, o sistema cai imediatamente.
“Imagine ficar duas, três horas sem energia por dia, a produção para. Se faltar cerveja da marca que a gente gosta, a gente compra outra. Se não tiver no país, pode-se importar. Se não tiver no mundo, a gente passa sem, ninguém vai morrer, mas energia não dá para importar. Produção de energia precisa ser planejada com antecedência porque não pode faltar um minuto”, diz Ikaro.
Preço da energia contribui para aumento da inflação
Nesta segunda-feira (31), a Comissão de Direitos Humanos (CDH) no Senado debateu os efeitos da privatização da Eletrobras. Especialistas apontaram que a desestatização pode gerar aumento na conta de luz e racionamento energético.
Na audiência, Ikaro Chaves destacou que quase R$ 600 bilhões, R$ 20 bilhões anuais, serão retirados dos consumidores nos 30 anos de concessão que estão sendo destinados à iniciativa privada na MP. Ainda segundo ele, o governo ao garantir que “o racionamento é uma possibilidade cada vez maior, mas uma elevação substancial da tarifa é uma certeza”, as estimativas para os reajustes devem ser superiores a 10%.
Economistas, ouvidos pelo jornal Valor Econômico, preveem que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação de um salário mínimo (R$ 1.100) a 40 salários (R$44.000) deve chegar em 12 meses, a 8%, com a bandeira 2 na tarifa de energia.
Em maio, a alta da energia elétrica dentro do grupo habitação foi de 2,31%, o que puxou a prévia da inflação para 0,44%, acima da taxa de 0,6% registrada em abril. Esse é o maior resultado para um mês de maio desde 2016, ano do golpe contra a ex-presidenta Dilma, quando o índice chegou a 0,86%.
Este índice deve ser ainda maior a partir de junho com a implantação da bandeira vermelha patamar 2. Até agora está sendo utilizada a bandeira tarifária vermelha patamar 1, que acrescenta R$ 4,169 na conta de luz a cada 100 quilowatts-hora consumidos.
Mesmo com lucro bilionário, Bolsonaro quer vender Eletrobras
A falta de lucro não serve mais de desculpa para o governo federal para promover a entrega ao mercado financeiro de um sistema estratégico do país como o energético.
O balanço financeiro, divulgado em março da Eletrobras na mira de privatizações, demostrou que a estatal de energia obteve um lucro de R$ 6,387 bilhões em 2020. No ano anterior (2019), os resultados foram ainda maiores, totalizando R$ 11,133 bilhões.
Apesar de todo este lucro da Eletrobras avança no Congresso Nacional a Medida Provisória (MP) 1.031/2021, da privatização da estatal. O governo Bolsonaro quer vender suas ações para aumentar a participação do capital privado. A MP, publicada em 23 de fevereiro, foi aprovada na Câmara dos Deputados, no dia 20 de maio, e agora precisa ser aprovada no Senado.