RBA
Eduardo Maretti
São Paulo – No debate virtual “A difícil recuperação”, promovido pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os economistas Ricardo Carneiro e Luiz Gonzaga Belluzzo falaram, por cerca de uma hora e meia, das perspectivas “desalentadoras” da economia brasileira nos próximos anos, num cenário em que o ministro Paulo Guedes tenta implementar um projeto econômico baseado no “Estado mínimo”, na contracorrente do que os países centrais promovem hoje no mundo.
Os debatedores lembraram que, não apenas Paulo Guedes, mas inúmeros economistas, cujas ideias têm espaço irrestrito nos meios de comunicação, defendem incessantemente a agenda do ministro da Economia, suas reformas e sua visão ultraliberal. Eles mencionaram, por exemplo, a avaliação de Armínio Fraga e Pérsio Arida, em evento realizado em agosto, promovido pelo banco Santander, sobre o tema investimento público. “Não existe argumento para aumentar investimento público neste momento, a não ser o argumento óbvio e nostálgico dessa piscina sem água na qual queremos volta e meia mergulhar”, afirmou Arida na ocasião. Belluzzo ironizou a frase do presidente do Banco Central de Fernando Henrique Cardoso: “Tem piscina sem água e cabeças sem cérebro”, disse. “Vamos viver nos próximos dois anos uma tragédia, com a economia, na melhor das hipóteses, andando de lado, com formas precárias de emprego crescendo e os donos da riqueza contentes com isso”, completou Carneiro.
Durante o debate, Belluzzo e Carneiro criticaram os meios de comunicação e seu apoio às ideias de Guedes e dos economistas do establishment. “O (chamado) convencimento econômico não foi feito para explicar, mas para esconder as formas de funcionamento da economia capitalista. A maioria dos economistas brasileiros que estudaram fora fizeram uma lavagem cerebral. Todos repetem as mesmas coisas e a imprensa se dedicou a interditar o debate no Brasil”, criticou Belluzzo. “Às vezes eu imagino que os economistas brasileiros estão no planeta Netuno. Não percebem as inter-relações da economia.”
“Não sei como se formou esse consenso perverso – que não se dão nem o direito de explicar – de que a situação externa do Brasil é complicada por causa do risco fiscal”, observou Carneiro, que defende a necessidade de um programa “robusto” de auxílio à faixa dos 30 milhões de brasileiros mais carentes, a partir da estrutura, já criada, do Bolsa Família.
O dinheiro de programas como Bolsa Família e Auxílio Emergencial – que será extinto pelo governo de Jair Bolsonaro em dezembro – se transformam em demanda, alimentando a economia, gerando emprego e renda, mas tais medidas pressupõem investimento público, o que está fora da cartilha de Guedes e companhia. “Eles olham sempre os efeitos contábeis, mas os efeitos econômicos eles não olham”, disse Belluzzo. “Economista está virando contador, fica só fazendo conta.”
A “contração fiscal”, que leva em conta medidas como o Teto de Gastos, reduzindo drasticamente o investimento público, “é quase inacreditável”, afirmou Carneiro. A austeridade fiscal e a entrada do gasto privado no lugar do público pode melhorar indicadores como câmbio e juros. “Mas é péssimo, porque a dívida não cresce, mas o PIB também não.” Para ele, tal visão não é “desinteressada”, mas visa manter a riqueza nas mãos das elites financeiras.
Em resumo, enquanto o país precisa de investimento público e programas para minimizar a crise na base da pirâmide social, o que se pode esperar de concreto é o oposto: o fim do auxílio emergencial e o aperto fiscal, a partir de 2021. “É preciso ter o objetivo de salvaguardar a vida das pessoas”, afirmou Belluzzo. Para ele, a liberdade de que hoje goza o sistema financeiro, que pode movimentar e promover a fuga de capitais, por exemplo, corrói as economias e “é desestabilizadora para os países periféricos”.
“Soberania não é um dom, é uma coisa que se exerce”, acrescentou. A crise econômica, iniciada em 2015, agravada pelo governo de Michel Temer e, principalmente, por Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia – e mais ainda pela pandemia de coronavírus – exigiria a adoção de obstáculos à fuga de capitais, o que está longe das ideias do grupo que “comanda” o país.
Sobre as eleições municipais, Carneiro comentou que não se pode negar “o impressionante crescimento da direita fisiológica”. Belluzzo afirmou que, sobre o tema, ocorreu-lhe um verso do Hino Nacional, que diz: “Deitado eternamente em berço esplêndido”. “Voltou para os de sempre, Centrão, direita. Preparam uma candidatura de ‘berço esplêndido’ que não sei quem é.”