Fruto de muita pressão popular nas ruas, a Constituição de 1988 reconheceu, em seu artigo 6º, uma série de direitos a todos os brasileiros: educação, saúde, moradia, alimentação, trabalho, transporte, lazer, segurança, previdência, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. O artigo 7º lista outros tantos direitos dos trabalhadores, como a proteção do emprego, a remuneração adequada e a proibição de qualquer tipo de discriminação.
Contudo, nos últimos seis anos, os governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), e o Congresso Nacional, com o aval do Poder Judiciário, aprovaram medidas que tornam muitos desses direitos praticamente irrealizáveis. Outras propostas semelhantes tramitam e ameaçam o orçamento federal, os direitos sociais e o bem-estar da população brasileira. O Brasil de Fato destaca, abaixo, cinco dessas mudanças.
Considerada a principal medida do governo de Michel Temer (MDB), a Emenda 95 impôs uma barreira ao investimento público federal, que foi congelado por duas décadas. Nesse período, o conjunto dos gastos da União não poderá aumentar acima da inflação medida pelo IPCA. Para se ter uma ideia do impacto, só em 2019, a educação deixou de receber R$ 32,6 bilhões. No mesmo ano, a saúde perdeu R$ 22,5 bilhões.
O único gasto que ficou livre dessa restrição foi o pagamento das despesas da dívida pública, que, no ano passado, consumiu R$ 448,3 bilhões do orçamento federal, segundo o Banco Central. Em 2021, o Brasil pagou, a cada segundo, mais de R$ 14 mil em despesas da dívida da União.
O Teto foi aprovado três meses após a derrubada de Dilma Rousseff (PT) e a posse de Michel Temer. Na época, o então deputado Jair Bolsonaro chegou a criticar a proposta, mas, após uma reunião com membros do governo, acabou votando a favor.
Em vigor desde julho de 2017, a reforma anti-trabalhista criou o contrato de trabalho intermitente. Na prática, isso significa que o trabalhador fica à disposição da empresa por um longo tempo, mas só recebe pelas horas de efetivo exercício. É a consagração do “bico” e do emprego mal remunerado. A reforma também retirou a obrigação de rescindir os contratos de mais de um ano no sindicato, possibilitou o corte de direitos na demissão mediante acordo entre patrão e empregado, autorizou a terceirização ilimitada, ampliou o limite da jornada para trabalho em tempo parcial, aumentou o prazo de duração do contrato de trabalho temporário e enfraqueceu os sindicatos.
Com quatro anos de reforma, o Brasil fechou 2021 com 38 milhões de trabalhadores sem vínculo empregatício formal. Há um ano, 20% da força de trabalho, ou seja, 32,4 milhões de adultos, sobreviviam trabalhando para aplicativos digitais, como Uber, Ifood e inúmeros outros, sem direitos trabalhistas. Por outro lado, o aumento do emprego, que era uma promessa da reforma, não veio e a taxa de desemprego no país continua girando em torno dos 12%.
Também nessa reforma, o então deputado Jair Bolsonaro votou com o governo Temer e contra os trabalhadores.
A reforma da Previdência, que Temer não conseguiu aprovar no Congresso, voltou à pauta no primeiro ano do governo Bolsonaro, em 2019, por mais que o atual presidente tenha dito, em 2017: “aprovar uma reforma com 65 anos é, no mínimo, falta de humanidade”.
A reforma de Bolsonaro não só aumentou a idade mínima para aposentadoria para 65 anos para homens, com pelo menos 20 anos de contribuição, e 62 anos para mulheres, com pelo menos 15 de contribuição.
Outras desumanidades foram cometidas, como a mudança nas regras para acesso à aposentadoria especial de pessoas que trabalham em atividades danosas à integridade física e à saúde, criando mais dificuldades. Além disso, mudou a forma de cálculo do benefício, fazendo com que a maioria dos futuros aposentados recebam um valor menor, se comparado às regras antigas.
Em maio de 2020, ainda no início da pandemia, o Congresso aprovou a Lei Complementar (LC) 173/2020, que prevê o auxílio financeiro federal a estados e municípios em estado de calamidade pública. Na época, a partir de uma iniciativa do governo, foram acrescentadas à nova lei restrições aos direitos dos servidores públicos, congelando a contagem de tempo para quinquênios, trintenários, férias-prêmio e outros, além da proibição de reajustes salariais.
“A cota de sacrifício dos servidores é não ter reajuste até o ano que vem”, disse, na época, o presidente Bolsonaro. O ministro da Economia, Paulo Guedes, foi mais sincero nas intenções do governo. “Nós já botamos uma granada no bolso do inimigo: dois anos sem aumento de salário”, declarou em reunião dos ministros com o presidente, no dia 22 de abril de 2020.
O serviço público segue na mira de Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes. A grande prioridade, agora, é a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32, apelidada de Reforma Administrativa.
A PEC propõe reduzir vagas efetivas de provimento por concurso público e aumentar as vagas de livre nomeação. Outra medida é transformar a avaliação de desempenho dos servidores, que frequentemente já é usada para punição, em instrumento de demissão.
A PEC 32 pode significar o fim de direitos como adicionais referentes a tempo de serviço, aumento da remuneração com efeito retroativo, licença prêmio, licença assiduidade, entre outros. Além disso, a proposta pode levar à diminuição de salários com redução da jornada de trabalho.
Se aprovada, a PEC 32 significará o fim da estabilidade no emprego público, a extinção de concursos, a substituição de concursados por apadrinhados políticos, o arrocho salarial e a criação de obstáculos para a progressão na carreira.
Por isso, sindicatos do serviço público têm tratado a proposta como “PEC da Rachadinha”, “PEC da Corrupção” ou “PEC da perseguição”. O texto foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara e em Comissão Especial. Para se tornar emenda constitucional, requer os votos de 308 deputados e 49 senadores, em dois turnos.
Fonte: Brasil de Fato