RBA
Felipe Mascari
A proposta de relatório da CPI da Covid, apresentada nesta quarta-feira (20), aponta o presidente Jair Bolsonaro como o principal responsável pelo agravamento da pandemia no Brasil. Ao todo, nove crimes são atribuídos ao chefe do Executivo pelo relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Os pedido de indiciamento do presidente da República se relacionam a crimes nacionais e também contra a humanidade, que são sujeitos à jurisdição internacional. Caso sejam julgadas procedentes todas as imputações, Bolsonaro poderia pegar até 78 anos e nove meses de prisão, segundo o vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Durante a leitura do relatório, Calheiros afirmou que as conclusões da CPI apoiaram-se nas provas produzidas ao longo dos últimos meses, em especial nos depoimentos tomados nas sessões presenciais e nos documentos recebidos pelo colegiado. A comissão propôs diferentes encaminhamentos para que os órgãos competentes deem prosseguimento às investigações e eventuais responsabilizações, inclusive no Tribunal de Haia.
“O conteúdo do relatório e de todos os documentos relevantes da investigação deverá ser compartilhado com as autoridades responsáveis pela persecução criminal, quer em primeiro grau quer no âmbito dos tribunais para pessoas com foro por prerrogativa de função. Além disso, haja vista a caracterização de crimes contra a humanidade, os documentos também serão remetidos ao Tribunal Penal Internacional, tendo em vista a inação e incapacidade jurídica das autoridades brasileiras na apuração e punição desses crimes”, afirmou o relator.
Ainda no caso de Bolsonaro, o relator da CPI da Covid pede seu indiciamento pelos seguintes crimes: epidemia com resultado morte; infração de medida sanitária preventiva; charlatanismo; incitação ao crime; falsificação de documento particular; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; crimes contra a humanidade; e crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo).
Para os senadores da CPI, o governo federal, que tinha o dever legal de agir, “assentiu a morte de brasileiros”. Durante as investigações, eles identificaram omissão, prevaricação e até intenção do governo Bolsonaro em prejudicar o combate à pandemia no país.
No relatório, Renan Calheiros apontou que a CPI colheu elementos de prova demonstrando que o governo federal foi omisso e optou por agir de forma não técnica no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. Ele acrescentou ainda que o governo ignorou medidas não farmacológicas, o que auxiliou na disseminação do vírus.
“Especialistas internacionais concordam sobre o fracasso do presidente da República em lidar sobre a pandemia, insistindo no tratamento precoce em detrimento da vacinação, apontando para Bolsonaro como o principal responsável pelos erros de governo cometidos durante a crise sanitária”, afirmou o relator.
Após os seis meses de investigações, Renan afirma ter sido comprovada a existência de um gabinete paralelo de assessoramento na área do combate à pandemia, composto por médicos, políticos e empresários. O grupo dava orientações ao presidente da República e também participava das decisões de políticas públicas, segundo o senador.
“A CPI também pode concluir que um dos principais objetivos do gabinete era o aconselhamento para atingir a imunidade de rebanho. Essa estratégia levou o presidente a resistir à implementação de medidas não farmacológicas, dando ênfase à cura através de medicamentos do chamado “tratamento precoce”. Em particular, Bolsonaro, com a máquina pública, estimulou a população a seguir a rotina sem cautela, apesar do alto risco dessa estratégia”, explicou o relator.
A veiculação de notícias falsas também é considerada como um dos pilares do negacionismo do governo Bolsonaro. Segundo Calheiros, a CPI apurou que não houve apenas omissão dos órgãos oficiais de informação, mas também existiu “forte atuação do governo, em especial do presidente, no fomento e disseminação de fake news que matou muitas pessoas”.
“As notícias falsas sobre a covid-19 envolveram diversos tópicos, como a origem do vírus, ataques xenófobos sobre a China, ataques contra o isolamento social, a divulgação de que o STF proibiu que o governo de atuar, o incentivo ao tratamento precoce, a desinformação sobre o número de mortes e a propaganda antivacina. As consequências dessas ações foram trágicas”, lamentou o parlamentar, durante a sua leitura.
Para o relator, a mais grave omissão do governo federal foi o atraso deliberado na compra de vacinas. Renan classificou a atuação como “negligente” e citou estudos estimando que 12.663 pessoas, com 60 anos ou mais de idade, não teriam morrido nos meses de março, abril e maio de 2021 caso o Ministério da Saúde tivesse contratado as 70 milhões de doses da vacina Pfizer.
“A mais grave omissão do governo federal foi o atraso na compra de vacinas. Através das oitivas, foi possível concluir que a aquisição de imunizantes deveria ser a principal forma de prevenção ao vírus, mas infelizmente foi negligenciada. Dada a curva de infecções do coronavírus, a vacinação é o principal método de combate à pandemia”, acrescentou.
Renan Calheiros enfatizou os erros de estratégia que teriam sido cometidos pelas gestões de Eduardo Pazuello, no Ministério da Saúde, e de Ernesto Araújo, então titular das Relações Exteriores, nas sucessivas comunicações diplomáticas relacionadas ao enfrentamento da covid-19.
“Todos sabem que quando a OMS ofereceu a possibilidade de comprar, através do consórcio Covax Facility, imunizantes equivalentes a 50% da população brasileira, o governo optou pela compra de 10%”, disse ele, que criticou também a falta de testagem em massa. “Isso impediu o adequado monitoramento da evolução da doença. A falta de táticas demonstra a inexistência de um planejamento para o combate à pandemia. Até maio de 2021, o país não tinha uma estratégia de detecção.”
As irregularidades relacionadas à negociação de imunizantes da Covaxin também são mencionadas no relatório final da CPI. O caso chegou ao presidente da República por um funcionário de carreira do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, e por seu irmão, o deputado Luís Miranda. Bolsonaro, entretanto, teria ignorado a denúncia.
A CPI também identificou a presença de uma série de indícios que demonstram a possível ocorrência do chamado “jogo de planilha”, principalmente na contratação da VTCLog. O relator explicou que o artifício é utilizado para possibilitar que um licitante vença o certame de maneira aparentemente legal e, posteriormente, ao longo da execução contratual, passe a manipular preços unitários com o intuito de aumentar demasiadamente o valor do contrato, mediante termos aditivos.
“O uso desse artifício aponta para a tentativa de ocultar a destinação do dinheiro, que provavelmente serviu para o pagamento de propina. Verificou-se também que boletos de Roberto Ferreira Dias (ex-diretor do Ministério da Saúde) foram pagos pela VTCLog com dinheiro proveniente desses saques, o que constitui sério indício de corrupção nas transações entre o Ministério da Saúde e a empresa”, explicou o senador.
Renan Calheiros acrescentou que os senadores conseguiram “comprovar as digitais” do presidente Jair Bolsonaro na morte de vítimas da covid-19. Ele afirmou que o colegiado foi “pioneiro” na reclassificação de documentos considerados sigilosos pelo Poder Executivo.
“A CPI foi a única no mundo a eviscerar as mazelas do chefe de uma nação. Esta CPI é a primeira a comprovar as digitais de um presidente da República na morte de milhares de cidadãos”, afirmou.
O relatório pede o indiciamento de outras 65 pessoas, envolvendo empresários, políticos, médicos e blogueiros. Ao longo de 1.180 páginas, o documento relata o cometimento de mais de 20 crimes. Entre os nomes indiciados estão os ministros Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho); Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União); Braga Netto (Defesa).
O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e os filhos de Bolsonaro, Eduardo, Carlos e Flávio também estão na lista. Deputados bolsonaristas, como Ricardo Barros (PP-PR), Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP) e Osmar Terra (MDB-RS) foram incluídos.
Os empresários Carlos Wizard, Luciano Hang e Marcos Tolentino também foram indiciados. Os médicos Paolo Zanotto, Nise Yamaguchi e Pedro Benedito Batista Junior também integram a lista. Ex-membros do governo federal, como Elcio Franco, Mayra Pinheiro, Fábio Wajngarten e Roberto Ferreira Dias estão entre os listados.