RBA
Gabriel Valery
São Paulo – Manaus vive há semanas a expectativa de absoluto colapso dos sistemas de saúde e funerário em razão da covid-19. Desde outubro, a RBA alerta para a iminência de um cenário desastroso na capital amazonense. Hoje (14), falta oxigênio para pacientes, faltam leitos, pessoas morrem em casa sem assistência e sequer conseguem um enterro por falta de covas.
O hospital 28 de Agosto, um dos maiores da capital, está racionando oxigênio dos pacientes. O governo do estado do Amazonas decretou toque de recolher na capital a partir de hoje, entre as 19h e as 6h. A medida vale por dez dias, vigência também do fechamento – tardio – do comércio não essencial.
O esgotamento do sistema de saúde do estado também levou uma operação especial para transferir pacientes. Sete estados brasileiros devem receber voos com doentes do Amazonas: Goiás, Distrito Federal, Piauí, Maranhão, Paraíba e Rio Grande do Norte.
O colapso em Manaus tem raiz bolsonarista. Em dezembro, o governador do estado, Wilson Lira (PSC), rejeitou apelo de cientistas pelo fechamento do comércio não essencial. Epidemiologistas emitiram uma série de alertas sobre o favorecimento das atividades econômicas poderia provocar. Na época, a decisão – que hoje se revelou desastrosa – foi comemorada por apoiadores incondicionais do presidente Jair Bolsonaro.
“A pressão do povo funcionou em Manaus. O governador voltou atrás em seu decreto de lockdown. Parabéns, povo amazonense, vocês fizeram valer seu poder”, disse a deputada federal Bia Kicis (PSL-RJ), uma das bolsonaristas mais radicais. Também na ocasião, o deputado e ex-pretendente a ministro da Saúde, Osmar Terra (MDB-RJ), que tem formação médica mas nega a ciência, chamou a imprensa de “alarmista” e chegou a dizer que “Manaus tem queda importante de óbitos mostrando imunidade coletiva de rebanho”.
No dia 26 de dezembro, o filho do presidente, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), também comemorou o que viria a ser o desastre. “Primeiro Búzios, agora Manaus. Todo poder emana do povo”, disse, em referência às cidades que, no fim do ano, fizeram mobilizações e aglomerações para rejeitar medidas de isolamento social. A cidade no litoral fluminense também vive seu pior momento da pandemia de covid-19 desde o início do surto, em março.
Uma das vozes que se levanta em defesa da vida em Manaus é do epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz no Amazonas (Fiocruz) Jesem Orellana. “Está claro que incompetência, irresponsabilidade e impunidade caminham de mãos dadas durante a desastrosa gestão da epidemia de covid-19 no estado do Amazonas”, resume. Manaus enfrenta o colapso pela segunda vez; a primeira entre abril e maio. Jesem sempre deixou clara a falta de gestão da covid-19 no estado e em todo o Brasil e chegou a ser perseguido por isso.
“No dia 11 de dezembro de 2020, no Alerta Epidemiológico 11, quando recomendei lockdown em Manaus pela quarta vez em menos de 90 dias, deixei claro que se as autoridades sanitárias não fossem contundentes no freio da galopante taxa de contágio do novo coronavírus, elas seriam responsáveis diretas por transformar o mês de janeiro de 2021 no mês das lamentações e do luto”, disse.
A ex-senadora pelo Amazonas Vanessa Grazziotin (PCdoB) fez um desabafo sobre o segundo colapso da Saúde em Manaus. “Nosso sistema de saúde está novamente colapsado. É inacreditável porque já vivemos isso no ano passado. O governador chegou a decretar lockdown em dezembro mas não suportou a pressão porque não tem autoridade. Nenhuma medida adotou para preparar o sistema de saúde”, disse.
A situação está fora de controle e chegou em um ponto que uma nova variante do vírus que provoca a covid-19 foi detectada na cidade, o que levou o Reino Unido a vetar voos do Brasil. O estado do Pará, que tem 90% de ocupação nos leitos de UTI, também expediu um decreto que impede que embarcações do Amazonas entrem no estado.
“Pessoas estão morrendo sem assistência. Não tem medicamento, não tem profissional. Entes queridos que perdemos, eu perdi. Todos e todas em Manaus perdem pessoas. A situação é difícil e a hora é de solidariedade”, completou.