O Projeto de Lei (PL) 2630/2020, que regulamenta as plataformas de redes sociais, voltou à estaca zero na Câmara dos Deputados. Nesta terça-feira (9), o presidente da casa, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que será formado um grupo de trabalho para sistematizar a matéria, antes de que seja enviada para votação em plenário.
O PL 2630 já tinha parecer do relator Orlando Silva (PCdoB). Porém, em reunião de líderes, Lira disse que não havia consenso para que a matéria fosse apreciada em plenário. Orlando Silva disse que foi surpreendido com a decisão. Em nota, ele disse ter “orgulho do trabalho feito até aqui, que contou com uma contribuição extraordinária da sociedade civil, de movimentos sociais, especialistas, do governo, de representantes de organizações internacionais e da qualificada consultoria da Casa”.
O parlamentar diz ainda que enfrentar essa questão é fundamental e um desafio para o Brasil, que “exige convicção e ação de forças políticas e sociais comprometidas com valores democráticos. A omissão pode nos cobrar um preço elevado”.
Conhecida como PL das Fake News, a proposta é vista por entidades de representação de trabalhadores e por movimentos sociais como fundamental para evitar que conteúdo abusivo, inverídico, violento e manipulador seja veiculado sem nenhum tipo de controle.
O debate sobre o tema ganhou força desde sábado (6), com uma série de agressões do empresário-especulador Elon Musk ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, dizendo que o magistrado brasileiro atenta contra a Constituição em suas decisões que, na verdade, buscam cercear os discursos golpistas difundidos pela rede social X (ex-Twitter), de propriedade de Musk.
Como afirma o secretário de Relações do Trabalho da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Jefferson Meira, o Jefão, “o projeto estava pronto para votação e deveria ter ido a votação em plenário há muito tempo”. Jefão, que acompanha a pauta de interesse da classe trabalhadora no Congresso Nacional como representante da Contraf-CUT, pontua que “políticos que se beneficiam de informações falsas nas redes se articularam para impedir a tramitação e a aprovação do projeto”.
Jefão conta, ainda, que “embora não se diga nada abertamente, as bancadas progressistas, de parlamentares que defendiam a aprovação do PL, relatam que o lobby para derrubar a proposta sempre foi muito forte e que, mais que ideológico, esse lobby é financeiro, bancado por grupos poderosos”.
Diante desse cenário, o dirigente da Contraf-CUT entende que trabalhadores e organizações populares devem se organizar para a defesa de uma regulamentação civilizada da questão. “Defendemos que a liberdade de expressão seja preservada e valorizada, mas ela não pode ser confundida com um direito de difundir mentiras e ataques à democracia”, afirma. Segundo seu entendimento, “é essa regulação que vai garantir que o Brasil não seja tratado como a terra de ninguém pelas plataformas e redes sociais, que terão que atuar com responsabilidade e responder legalmente por condutas nocivas à sociedade”.
Já votado no Senado Federal em 2020, o texto define regras para a atuação das redes sociais no país. No entanto, a apreciação do PL foi sistematicamente adiada pela Câmara. A proposta traz diversos pontos importantes. O primeiro prevê que as plataformas serão responsabilizadas por conteúdos postados por usuários, com uso de instrumentos pagos de impulsionamento e publicidade, quando for comprovado que a empresa ignorou riscos e deixou de usar mecanismos de moderação. As empresas também passam a ter o chamado dever de cuidado, ou seja, protocolos de análise de risco, que deverão prevenir ou mitigar casos como disseminação de conteúdos contra a democracia, por exemplo.
Conforme os termos do PL, as plataformas deveriam cumprir, em até 24 horas, toda decisão judicial que determinasse a derrubada de qualquer conteúdo criminoso. Nesse caso, as multas seriam salgadas e poderiam chegar a R$ 1 milhão por hora. Por fim, também eram definidas punições a serem aplicadas, que incluíam advertência, multa diária que poderia bater os R$ 50 milhões e a suspensão das atividades no Brasil.
O dono do X publicou questões retóricas, como “por que tanta censura no Brasil?” Em seguida, palreou que o “ministro tem traído repetida e descaradamente a Constituição e o povo do Brasil. Ele deve renunciar ou sofrer impeachment”. Na segunda (8), voltou a atacar Alexandre de Moraes, que também é presidente do Superior Tribunal eleitoral (TSE), chamando-o de ditador, e também incluiu em suas falas raivosas violentas fake news contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A manifestação começou depois que um jornalista estadunidense publicou, no dia 3, uma série de prints de um diretor jurídico do então Twitter, relativos a pedidos para acesso a dados de usuários e de retirada do ar de publicações da rede social, feitos pelo Congresso Nacional, pelo Ministério Público e pelo Judiciário. As postagens questionadas pelos órgãos de autoridade brasileiros difundiam mentiras para descreditar o sistema eleitoral do país ou conteúdos de incentivo à violência e preconceituosos, além de desinformações sobre questões de saúde pública.
A investida irada de Musk estimulou as fábricas de fake news da extrema direita brasileira, que passou a promover grande campanha contra as instituições do Brasil. Especialistas têm afirmado na imprensa que outro motivo está por trás do caso: a busca de visibilidade, para reverter a perda de valor de mercado do X. Desde que Musk a comprou, em outubro de 2022, a rede social viu seu valor de mercado despencar ribanceira abaixo, de US$ 44 bilhões a US$ 12,5 bilhões –desvalorização de 70%. A Tesla, fabricante de veículos elétricos de Musk, também está em forte crise.
As reações foram muitas e unânimes em observar na atitude desequilibrada do dono do X uma afronta à soberania brasileira. O presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), resumiu que “no final das contas é uma busca indiscriminada, antiética e criminosa pelo lucro, e isso, obviamente, tem que ser contido por lei e esse é nosso papel enquanto Congresso Nacional”. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Roberto Barroso, “toda e qualquer empresa que opere no Brasil está sujeita à Constituição Federal, às leis e às decisões das autoridades brasileiras”. Barroso também garantiu que “decisões judiciais podem ser objeto de recursos, mas jamais de descumprimento deliberado. Essa é uma regra mundial do Estado de Direito e que faremos prevalecer no Brasil.”
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Fonte: Contraf-CUT