Entregadoras e entregadores por aplicativo de todo o Brasil farão uma nova paralisação nacional por direitos, dignidade e melhores condições de trabalho. Apesar de ter como alvo principal o iFood ─ maior empresa do ramo no Brasil ─, a greve mira também em outras companhias de delivery por aplicativos.
Dessa vez, o breque será de três dias e terá início em 1º de abril, conhecido como “Dia da Mentira”. A data não foi escolhida por acaso. Foi pensada estrategicamente para denunciar as mentiras da plataforma iFood, que tem deixado de cumprir acordos firmados com a categoria.
Nos dias 13, 14 e 15 de dezembro, a empresa de entrega de alimentos e encomendas realizou o I Fórum de Entregadores do Brasil, onde recebeu as pautas dos trabalhadores e se comprometeu em atendê-las. Porém, dois meses depois, nada foi feito.
Na carta compromisso assinada pela empresa, o acordo era que, até fevereiro, reivindicações da categoria, como a transparência sobre as suspensões temporárias nas mensagens e sobre a desativação das contas dos entregadores fossem solucionadas, o que não aconteceu.
Mais dignidade
O reajuste da taxa mínima por entrega paga pelo iFood é umas das principais reivindicações da categoria. Atualmente, a empresa paga apenas R$ 5,31 por corrida, o que não é suficiente para arcar com os gastos com gasolina e manutenção das motocicletas. A exigência dos entregadores é que esse valor seja de R$ 10, reajustado anualmente de acordo com a inflação.
De acordo com o entregador Abel Santos, a reivindicação tem como objetivo trazer mais dignidade para o trabalhador. Ele explica que, com o aumento da inflação, o poder de compra da população diminuiu consideravelmente. Como alternativa para manter um padrão de vida digno, os entregadores acabam passando mais tempo nas ruas trabalhando.
“Antigamente, a gente trabalhava seis, oito horas. Hoje, para tirar o mesmo valor, é preciso rodar de 10 a 15 horas por dia. Então,para que a gente tenha uma jornada mais saudável, queremos esse reajuste anual com base na inflação”, afirmou.
A criação de pontos de apoio pela capital federal ─ uma luta que contou com a mobilização da CUT ─ também está na pauta. O projeto de autoria do deputado distrital Fábio Félix (PSol) foi aprovado pela Câmara Legislativa do DF em agosto de 2020 e sancionado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) em setembro daquele ano.
A proposta determina que as empresas por aplicativo criem pontos com sanitários, chuveiros individuais, vestuários, sala de descanso com internet e pontos de recarga de celular, espaço para refeição e estacionamento para bicicletas e motos. Quase dois anos depois, nada foi feito.
Mais segurança, menos golpes
Além das questões já mencionadas, a pauta de reivindicações abrange também a segurança dos trabalhadores. Nesse sentido, a categoria reivindica que o iFood implemente o código de verificação em todas as entregas.
De acordo com o entregador Alessandro Conceição ─ conhecido como Sorriso ─ por não exigir o código em todas as corridas, a empresa abre brechas para a ação de golpistas, o que tem prejudicado diretamente os entregadores.
“Muitos golpistas fazem o pedido no iFood, o motoboy faz a entrega, mas a pessoa notifica a empresa dizendo que não recebeu a encomenda. E o iFood faz o quê? Bloqueia o motoboy sem dar a ele a chance de se defender e justificar o que aconteceu e ainda manda outro pedido para o cliente. A implementação do código evitaria muitas fraudes e traria mais segurança para a gente”, afirma o entregador.
Fim das OLs
No iFood, os entregadores podem se cadastrar em dois modelos: Nuvem ─ em que se vincula diretamente à plataforma e, em um primeiro momento, pode definir seus próprios horários de trabalho ─ e Operador Logístico ─ que tem jornada fixa agendada previamente e sua relação com o iFood é intermediada por uma empresa. Na prática, os entregadores de OL são subordinados a uma companhia terceirizada, chamada operadora logística, que tem o poder de controlar os cadastros e, inclusive, de desativar suas contas.
“A operadora logística está praticamente contratando o entregador, estabelece regras, horários, e até negociação de folgas. Só que não contrata sob o modelo celetista e não garante nenhum tipo de direito”, afirma Abel.
Ele destaca ainda que a plataforma prioriza os entregadores de OL, disponibilizando 80% das entregas para trabalhadores sob esse modelo, o que acaba prejudicando os nuvens, que optaram por mais autonomia.
“Se o iFood quer garantir que haja entregadores nas ruas nos horários de pico, que ela contrate de acordo com a lei, garantindo os direitos trabalhistas. Pela lógica da empresa, o entregador tem que estar on-line, ser subordinado a uma pessoa, mas sem direitos”, disse o entregador.
Fim do agendamento
A precarização das relações de trabalho por parte das empresas de aplicativo parece não ter fim. Recentemente, o iFood implementou em 16 cidades brasileira a jornada de trabalho agendada para os entregadores nuvens e logo o modelo deve chegar à capital federal.
O agendamento funciona da seguinte forma: para trabalhar no dia seguinte, o trabalhador nuvem ─ que não é ligado a nenhuma Operadora Logística (OL) ─ deve agendar horário e local em que estará disponível para fazer entregas. Nesse período, o entregador não pode deslogar do aplicativo, sob o risco de punição.
A determinação não tem agradado a categoria, que denuncia que o agendamento tira a autonomia dos entregadores ─ premissa vendida pelas empresas de entrega por app. De acordo com Sorriso, o agendamento tira autonomia da categoria, que é empurrada a trabalhar em horários pré-definidos, mas sem os mesmos direitos dos trabalhadores formais.
“O iFood implementa esse modelo para segurar os motoboys e acaba tirando nossa autonomia. Temos que ficar disponíveis durante o período agendado, mas isso não é garantia de que haverá entregas para fazermos”, disse Sorriso.
Outras reivindicações
Na pauta de reivindicações dos entregadores está também a exigência pelo fim das entregas duplas e triplas, modelo em que trabalhador entrega duas encomendas, mas só recebe por uma.”É uma injustiça com a gente”, denuncia Sorriso.
Entregadores e entregadoras por Apps reunem-se com presidente da CUT-DF, Rodrigo Rodrigues, para debater a pauta da categoria e reforçar o apoio à mobilização
Todas e todos contra a precarização
Além da adesão massiva da categoria, a população tem um papel estratégico na paralisação, como destaca a entregadora Manoela Silva. Para ela, é fundamental que todas e todos se unam à mobilização, tendo em vista que a precarização das relações de trabalho é uma realidade que tem atingido outras categorias.
“No decorrer da pandemia, nós movimentamos muito a economia do país. Enquanto muitas pessoas ficaram em casa para não contrair Covid, nossa categoria estava na rua, garantindo, inclusive, a menor circulação das pessoas. No sol, na chuva, no sereno, estamos na rua atendendo a população e o que reivindicamos são direitos que a maioria dos trabalhadores já tem”, disse.
Fonte: CUT-DF