Nos últimos dias, voltaram a circular boatos (e onde há fumaça há fogo...) sobre uma possível privatização da BBDTVM, agora repaginada de “BB Asset Management”, num movimento de realinhamento estratégico da empresa, para transmitir modernidade.
A BB Asset Management é líder da indústria nacional de fundos de investimentos e carteiras administradas, com patrimônio de R$ 1.485.091,42 milhões, conforme ranking da ANBIMA de junho de 2022. Para se ter uma ideia do gigantismo da BBDTVM, o Itaú Unibanco Asset Management (2º colocado) tem patrimônio de R$ 813.673,40 milhões e o Bradesco (3º colocado) soma R$ 544.080,56 milhões.
O Banco do Brasil tem negado, reiteradamente, qualquer intenção de vender a BBDTVM e, em seus comunicados ao mercado, tem afirmado que “continua estudando alternativas e avaliando oportunidades que contribuam com sua estratégia de atuação na atividade de gestão de recursos de terceiros e, ainda, agreguem valor para seus clientes e acionistas”.
Não obstante, não se pode perder de vista que o processo de destruição do Estado Brasileiro ganhou um importante impulso a partir da ascensão do Presidente Jair Bolsonaro e do Ministro Paulo Guedes, com sua agenda neoliberal. Paulo Guedes nunca escondeu sua intenção de “privatizar tudo”, (incluindo Banco do Brasil, CEF, Petrobras, Eletrobrás, Correios etc), como solução para os problemas brasileiros. Tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelo governo para promover a privatização completa desse grupo de empresas, a estratégia de Guedes foi de “comer pelas beiradas”, procurando fatiar os conglomerados e, assim, conseguir maior flexibilidade para promover a venda ao capital privado das subsidiárias das empresas.
Assim, uma eventual privatização da BBDTVM, no todo ou em partes, traria sérios prejuízos ao Banco do Brasil. De um lado, estaria abrindo mão de receitas de uma Gestora de recursos lucrativa e eficiente e que detém, hoje, cerca de 21% de participação de mercado, respondendo, juntamente, com a área de seguridade (seguros, previdência e capitalização) e cartões, por uma parcela importantíssima do resultado do conglomerado Banco do Brasil. De outro lado, a sinergia dos negócios estaria comprometida. Ao invés de ampliar, por exemplo, a penetração de fundos de investimentos e previdência no canal próprio do Banco, seja no varejo, pequenas empresas, private banking e institucional, o Banco estaria terceirizando esses negócios numa Gestora internacional, contribuindo, assim, para o enfraquecimento do Banco do Brasil e sua posterior privatização.
Entre os potenciais interessados em comprar a BBDTVM estariam algumas das maiores administradoras de ativos do mundo, como por exemplo, a BlackRock, Franklin Templeton e Prudential Financial.
Atualmente, há poucas gestoras estrangeiras com escritórios no Brasil, e as que existem apostam no crescimento do mercado de asset management, que vem passando por grandes transformações, com o advento das plataformas, surgimento de novas gestoras, distribuição dos investimentos, mão de obra etc.
O que tem chamado, de fato, a atenção dos players internacionais é o segmento wealth, mais acostumado com o investimento internacional, os fundos de pensão que estão passando por mudanças regulatórias e o segmento de varejo. Com mais de 210 milhões de habitantes, o Brasil é o maior mercado da América Latina, respondendo por 61% do “Assets Under Management (AUM – Ativos sob Gestão)” total da região, estimado em mais de 1,15 trilhão de dólares e crescendo.
Ao entrar no Brasil, as gestoras precisam pensar que público querem alcançar e quais são os melhores parceiros locais para chegarem neles. Daí o interesse em adquirir a BBDTVM, no todo ou em partes, dado a capilaridade da rede do Banco do Brasil, o portfólio de clientes, a expertise e a solidez do Banco.
Não se trata propriamente de uma nova internacionalização do sistema financeiro brasileiro, no sentido que vigorou nos anos 1990 do século passado, e sim de uma atuação mais focada em nichos para os investidores private banking, varejo alto renda, investidor institucional etc.
Do ponto de vista da literatura econômica mais liberal, existiriam duas grandes motivações para privatizar uma empresa: aumentar a eficiência da economia e colaborar para o ajuste das contas públicas. De forma geral, a experiência tem mostrado que a motivação fiscal tem prevalecido na prática, com a privatização sendo usualmente adotada por governos com dificuldade de fechar suas contas. Aliás, esses foram os argumentos utilizados na década de 1990, durante o Governo do Professor Fernando Henrique Cardoso, numa competente campanha publicitária de convencimento da opinião pública.
Ora, mesmo utilizando-se dos argumentos liberais, não haveria justificativa para privatizar a BB Asset Management, tendo em vista tratar-se de uma companhia lucrativa e eficiente e que tem contribuído, juntamente com a área de seguridade (seguros, previdência e capitalização) e cartões, para incrementar, sobremaneira, os vultosos resultados do Banco ao longo dos últimos anos.
Do ponto de vista do ajuste fiscal, trata-se de uma estratégia completamente equivocada, uma vez que estaria abrindo mão de um patrimônio importantíssimo para o País e para a solidez do Banco do Brasil, em troca de um ajuste pontual nas contas públicas.
Portanto, a eventual privatização da BB Asset Management, no todo ou em partes, não atenderia aos interesses públicos, pelo contrário, tratar-se-ia apenas de atender compromissos e expectativas do mercado financeiro nacional e internacional. Devemos lembrar ainda, que os bancos públicos, incluindo as suas subsidiárias, representam uma importante presença do setor público federal no mercado de crédito e oferecem um potencial de ferramentas significativas de política econômica. Mais do que nunca, indispensáveis à reconstrução do país e resgate da dignidade de brasileiras e brasileiros.
*Jacques Pena é ex-presidente da Fundação Banco do Brasil e ex-presidente do BRB Banco de Brasília.
**Kleytton Morais é presidente do Sindicato dos Bancários/as do DF.
(Este artigo foi publicado originalmente na Revista Fórum)