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18 de Abril de 2016 às 08:44

Um circo comandado por ladrões


Por Chico Vigilante

Na maquete de idealização de Brasília, o arquiteto Oscar Niemeyer escreveu que as liberdades e os direitos humanos são conquistas irreversíveis.

Não imaginava que em 17 de abril de 2016 a Esplanada dos Ministérios seria dividida pelo muro da vergonha, e palco da maior concentração de emoção por metro quadrado das últimas décadas.

Na votação do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, detentora de 54 milhões de votos, uma multidão clamava por mudanças.

Muitos ali - uma massa maleável e não reflexiva sobre a história do Brasil - não compreendia que os métodos utilizados não representariam atalhos para dias melhores.

O início do golpe de estado foi consumado. Verdadeira violação constitucional, deverá mergulhar o Brasil em um doloroso processo de instabilidade e insegurança.

Quem foi a turba raivosa e irresponsável que votou a favor do golpe ? deputados citados nas listas de corrupção que querem tirar Dilma na certeza de que assim, as investigações contra eles serão arquivadas sob a proteção do novo governo.

Votaram hoje na Câmara a favor do impeachment deputados representantes da Fiesp, defensores da elite industrial paulista que quer o fim das conquistas trabalhistas; deputados representantes da CNA, da UDR, dos fazendeiros que são contra a reforma agrária e contra a garantia das terras indígenas; deputados representantes da agroindústria e contra os interesses da agricultura familiar; deputados que querem entregar as estatais brasileiras ao capital internacional.

O que estava em jogo neste domingo, mesclado ao balanço das bandeiras do Brasil e de movimentos sociais, não era apenas a paixão dividida de brasileiros pelos tons vermelhos ou não vermelhos, entre nomes de vencedores e perdedores, legalistas e usurpadores.

Tratava-se de, cada um de nós ser cúmplice ou não de um golpe de estado que feria de morte nossa jovem democracia. Tratava-se de ter consciência ou não de que os verdadeiros traidores do Brasil e da Constituição manipulavam o processo de impeachment na Câmara travestidos de salvadores da pátria.

Ironicamente, ou não, o lado esquerdo da Esplanada foi destinado aos manifestantes contra o impeachment e o lado direito aos defensores do golpe. Ali palmo a palmo, lado a lado, quem éramos nós?

Do lado esquerdo nossos ídolos são Lula, Brizola, Mujica, Guevara, Simon Bolivar, Zumbi dos Palmares, Mariguella, Olga Benário, Mandela. Temos orgulho de nossos líderes e conhecemos suas histórias.

Do lado direito estavam os liderados pelas ideias e propósitos de Cunha, Temer, FHC, Aécio Neves, Bolsonaro, Malafaia, sobre os quais há muito mais do que se envergonhar do que se orgulhar. Corruptos, traidores, vendilhões da pátria.

À esquerda, estavam muitos dos que um dia cantaram "Quem sabe faz a hora não espera acontecer", de Geraldo Vandré; entoaram Grândula Vila Morena, terra da fraternidade, em apoio à Revolução Portuguesa dos Cravos; lutaram contra a ditadura militar no Brasil, ao som de Mercê de Souza, Chico Buarque, Milton Nascimento, Joan Baez.

Do lado direito se reuniam os admiradores do pato da FIESP, dos sonegadores de impostos Globo e Veja, gritando palavras de ordem, não em defesa dos trabalhadores mas de ódio contra o PT, Dilma e Lula, ou seja, contra o que representam, os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros.

Nós, do lado esquerdo da Esplanada ensinamos nossos filhos a conhecer a história da luta para livrar o Brasil da ditadura militar dos golpes de 1964, 1968, do movimento sindical, das conquistas e programas sociais dos governos Lula e Dilma.

Do lado direito estava a elite, que ensina seus filhos a serem preconceituosos, renegando quando um negro entra na universidade, quando um membro do movimento LGBT se destaca na política, quando um trabalhador diz que é contra a terceirização porque ela tira direitos conquistados com seu sangue e suor.

Do lado esquerdo reconhecemos o papel e o resultado dos programas sociais implementados nos últimos 13 anos.

Do lado direito querem abolir o Bolsa-Família e o Minha Casa, Minha Vida, mesmo que reconhecidos internacionalmente como altamente benéficos para parte da população brasileira mais necessitada.

O que a direita deste país não entende é que o ódio e a fé no quanto pior melhor não constrói. Que o Brasil só crescerá se crescermos todos juntos. Que o tempo da Casa Grande acabou. É necessário dividir com a senzala.

No sábado, 16, enquanto eles se reuniam para fazer conchavos de votos nas salas acarpetadas de hotéis granfinos e restaurantes do Lago Sul com o golpista mor Michel Temer, o povo trabalhador chegava a Brasília com muito sacrifício para dizer não ao impeachment.

Estive toda a manhã do sábado no Acampamento em Defesa da Democracia e por avanços sociais. Muito me ensinaram os discursos dos companheiros Lula e Pedro Stédile neste momento decisivo para a vida do país.

O que mais me emocionou, no entanto, foi testemunhar a chegada contínua de delegações de todo o Brasil. Homens e mulheres do povo trabalhador brasileiro chegando em caravanas, com colchonetes, panelas, fogareiros para passarem a noite e estarem presentes nas manifestações de domingo.

Lutei pela democratização deste país, apanhei da polícia, fui preso algumas vezes, mas nunca abri mãos de minhas posições políticas. Apesar de tudo estou muito feliz pela oportunidade de mais uma vez participar de um momento histórico onde o trabalhador brasileiro reafirma sua opção pela democracia no Brasil.

Devemos, no entanto, nos manter alertas e mobilizados. Sabemos que o ódio golpista tem na mira os nossos acertos. Não nos enganemos. Se o impeachment passar no Senado, próxima batalha desta guerra, eles não desistirão de nos massacrar para interromper nosso projeto político.

O que querem é derrotar o projeto de desenvolvimento e inclusão social pelo qual estamos trabalhando todos os dias nos últimos 13 anos.

Para alcançar seus objetivos, estão dispostos a mais uma vez violentar a democracia e a rasgar a Constituição Federal, de várias maneiras, continuando na sua missão de espalhar a intolerância, o ódio e a violência contra nós. Para eles, uma situação de caos facilita esta tarefa.

Suas más intenções foram divulgadas pela jornalista Dora Kramer, do Estadão. Um dos primeiros atos do projetado governo Temer será o estabelecimento do Estado de Defesa, um instrumento à mão para tirar o povo da rua, com direito a lançar a Força Nacional contra manifestações e atos legítimos da democracia.

Como disse a presidenta Dilma "Fora do voto, qualquer governo será a tirania. Tirania dos mais fortes, dos mais ricos, dos mais corruptos".

A batalha de hoje faz parte de uma guerra longe do fim. A vitória do sim ao impeachment, que fez sorrir muitos deputados do Congresso Nacional, será efêmera.

Um Brasil passado a limpo, livre da corrupção, da hipocrisia, da volta ao trilho do crescimento econômico e do avanço das conquistas sociais só poderá ser alcançado se os manifestantes, e portanto o Brasil então dividido, passar a caminhar de mãos dadas. Se não sobre tudo, sobre o essencial.

Impossível? não. Difícil? sim. No entanto, única saída para pressionarmos juntos pelo que realmente importa neste momento, ou seja :

- a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva para a realização de reformas necessárias, entre elas uma verdadeira reforma política que impeça que o Legislativo seja dominado pelos interesses do capital, como hoje acontece.

- a imediata cassação de Eduardo Cunha e o indiciamento dos políticos de todo e qualquer partido, sem exceção, que comprovadamente estejam envolvidos em crimes de corrupção.

- eleições diretas e em todos os níveis ainda este ano.

- a manutenção de todas as conquistas sociais que representam o futuro da humanidade: mais igualdade; mais distribuição de renda; mais garantia de direitos fundamentais como saúde, educação, moradia, segurança.

É na rua que vamos garantir que a verdade vença a hipocrisia, que os corruptos sejam condenados e que novas eleições sejam convocadas. A história, certamente, já os incriminou.

 

Chico Vigilante é Deputado distrital e presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara Legislativa do DF


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