Por ÉRIKA KOKAY
Deputada federal (PT-DF) e coordenadora da Frente Parlamentar de Direitos Humanos e Minorias da Câmara
A proposta de reforma do Código de Processo Civil, que está na pauta de votações da Câmara dos Deputados, responde a inúmeras demandas da sociedade, principalmente no sentido de modernizar e dar celeridade aos trâmites processuais. Um dos itens do projeto, porém, vai na contramão desse conjunto de avanços e ameaça um direito garantido das famílias, que torna possível o sustento de inúmeras crianças no país. O relatório apresentado propõe uma modificação nas normas para pagamento de pensão alimentícia e estabelece que os devedores não mais sejam punidos em regime fechado, conforme a legislação atual, mas no semiaberto ou em prisão domiciliar.
Além disso, a proposta amplia de três para 10 dias o prazo para pagamento da pensão, adiando ainda mais um processo que já é lento e repleto de protelações. De acordo com o código em vigor, o inadimplente deve, nesse prazo, acertar a dívida ou justificar o não pagamento por hipossuficiência financeira. Isso significa que só vai para a prisão aquele que tem condição de pagar e não o faz. Aquele que se sente no direito, partindo de uma lógica sexista, de optar se vai ser pai dos filhos e filhas ou não.
Quando se propõe que haja a flexibilização do regime para aqueles que não pagam a pensão, o Estado está fragilizando uma das principais garantias que viabilizam uma vida digna aos meninos e meninas do nosso país. As famílias têm, na pena de prisão em regime fechado, um instrumento para assegurar a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, regulados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A obrigação com o pagamento da pensão é da família, tanto do homem quanto da mulher, mas em 90% dos casos de separação matrimonial, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são as mães que ficam com a guarda dos filhos. De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais 2013, divulgada pelo IBGE na sexta-feira 29/11, 16,2% dos arranjos familiares são constituídos por mulher sem cônjuge e com filhos. Isso significa que o abrandamento das regras para pagamento da pensão alimentícia, além de colocar em risco a sobrevivência das crianças, contribui para que o ônus de sustento da família recaia todo sobre a mulher.
Na nossa frágil democracia, que ainda faz o luto do colonialismo, os direitos das mulheres e das crianças e adolescentes ainda estão distantes do cenário que almejamos. Infelizmente, muitos homens se recusam ou se utilizam de artifícios para não pagarem a pensão dos filhos e filhas, grande parte por motivos subjetivos, e não financeiros.
É preciso lembrar que ser pai é uma escolha, mas ser filho é um direito. O princípio da paternidade responsável, disposto no artigo 226 da Constituição Federal, está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois constitui uma ideia de compromisso a seguir tanto na formação como na manutenção da família. É necessário estimular a reflexão e a conscientização de toda a sociedade sobre o tema da paternidade e da maternidade responsáveis. Para além de fornecer condições para o crescimento saudável, os pais são responsáveis pelo desenvolvimento socioafetivo dos filhos, fator para o qual o convívio entre eles é fundamental. Portanto, mais do que pais responsáveis, é preciso pais presentes.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base no Censo Escolar de 2011, apontam que há 5,5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai na Certidão de Nascimento. Meninos e meninas, em todo o país, passam por algum tipo de constrangimento por não terem o seu direito à personalidade e identidade respeitados. São indícios de irresponsabilidade social que recaem diretamente sobre as crianças, em uma sociedade que, muitas vezes, ainda vê na mãe a única responsável pela criação dos filhos.
Por isso, a bancada feminina da Câmara se posiciona contrária a qualquer tentativa de mudança no sentido de flexibilização das regras para o pagamento da pensão alimentícia e apresentará emendas ao texto. É preciso lutar para impedir retrocessos nos direitos garantidos, sobretudo das crianças, que não podem ser negociados.
Fonte: Correio Braziliense