Por Roberto von der Osten
Nós vivemos hoje o período mais longo de democracia do Brasil. A cada ciclo da história do país, num espaço de tempo que não ultrapassou muito além de 20 anos, a democracia sofreu abalos. O que tem ficado como característica é que quando a democracia se aproximou do povo, com medidas mais populares, no caso do Getúlio Vargas e do João Goulart, ela sempre foi interrompida pelo mesmo grupo, por um mesmo lado, o que quer a manutenção de privilégios, e a manutenção de uma elite no poder.
Em 1985, o Brasil encerrou um ciclo de uma ditadura civil militar que tinha durado 21 anos e nós reestabelecemos as liberdades democráticas. Em 1988, nós escrevemos uma nova constituição cidadã e então começou mais um período jovem e frágil de ditadura que se consolidou com a eleição de um operário à presidência da República. Inimaginável, num país de governo de elites para as elites. Luiz Inácio Lula da Silva é eleito e depois ainda elege sua sucessora, uma mulher, Dilma Rousseff.
Estes perfis de governantes, como o índio Evo Morales, na Bolívia, e de mulheres em outros países na América, só é possível se tivermos um cenário democrático. No ano passado tivemos uma eleição dura, onde a presidenta Dilma foi reeleita com uma pequena diferença em relação ao seu oponente, um representante do pensamento neoliberal, antagonista do ciclo de governos democráticos populares, inclusivos e distributivistas iniciado pela eleição de Lula.
Derrotados nas urnas, iniciaram em seguida um processo de ataque às eleições, pedindo recontagem e duvidando da confiabilidade das urnas eletrônicas. Não tendo conseguido convencer a maioria da população, de que o melhor projeto para governar o Brasil seria o neoliberal, passaram a acusar a vencedora da eleição de ter praticado um estelionato eleitoral, mentido para a população acerca de uma crise econômica existente apenas no Brasil. A grande mídia brasileira aliançou-se a este projeto na construção de uma crise política transformando-a numa crise econômica para emparedar o governo.
Setores fascistas e retrógrados da direita lançaram uma campanha de ódio nas redes sociais e na mídia, buscando criminalizar os movimentos sociais e sindicais, na clara intenção de neutralizar apoios ao governo – legitimamente eleito pelo voto popular.
São praticamente 12 meses que o governo está submetido a um circo, onde escândalos de corrupção só atingem partidos e pessoas aliadas ao governo. Delações premiadas vazam seletivamente e buscam desconstruir o governo de Dilma.
Esta conjuntura propiciou que a oposição ousasse escrever pedidos de impeachment e que os protocolasse no Congresso Nacional. Um cenário espertamente construído para ser manejado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, aliado da oposição e atingido por denúncias de corrupção timidamente investigadas. Cunha passa a usar tais pedidos para chantagear e desviar a atenção da sua constrangedora condição de acusado por corrupção e por manter comprovadamente contas secretas na Suíça, elementos que já seriam suficientes para afastá-lo da presidência da Casa.
Um pedido de impeachment finalmente é aceito apesar de não fundamentado em crime de responsabilidade previsto na Constituição Brasileira. E o Congresso inicia o rito de um golpe.
Manobras regimentais são feitas pelo presidente da Casa para favorecer que a Comissão que vai analisar o pedido e emitir parecer seja controlada pelos oposicionistas patrocinadores do golpe.
Na contramão deste rito, os movimentos sociais, sindicais e os partidos que não apoiam o golpe reúnem-se, manifestam-se e articulam uma resposta em defesa da democracia.
O jogo começa a ser jogado.
Podemos afirmar que o momento é estratégico para os dois lados. Estratégico para a oposição que pretende usar um atalho para chegar ao poder, mas que terá que usar sua ‘bala de prata’. Caso não consiga destituir a presidenta, fracassará perante a opinião pública. Eles terão que usar todo o seu arsenal para derrubar o governo e não podem falhar. E por outro lado, estratégico para os que estão defendendo a democracia e são contra o golpe. Uma derrota poderá romper o frágil processo de democratização brasileiro e terá reflexos em toda a América do Sul. Eles também terão que construir uma forte unidade na diversidade dos movimentos que o compõem, que sem abdicar de suas bandeiras específicas de luta, deverão focar na defesa do estado democrático de direitos.
Curiosamente a oposição, que pretende “salvar” o Brasil é a mesma que vem votando no Congresso Nacional leis contra os trabalhadores, como o projeto da terceirização, leis de redução da maioridade penal, leis que privatizam as empresas estatais, que entregam o patrimônio do povo, leis que criminalizam os movimentos sociais, leis homofóbicas e que confundem o estado laico com desejos fundamentalistas. Este é o povo que quer governar o Brasil.
A Contraf-CUT vem participando de frentes e movimentos que defendem o lado dos trabalhadores. E vem articulando todos os seus Sindicatos e Federações para somar à frente que pretende manter o projeto dos trabalhadores no poder. E está convocando para que participem, junto com a CUT, outras Centrais Sindicais e movimentos sociais, da agenda de lutas em defesa da democracia e da retomada do desenvolvimento inclusivo e soberano.
Esta agenda golpista do Congresso já tomou muito tempo e não recolocou o Brasil nos trilhos. Vamos continuar apoiando o projeto democrático e criticando o ajuste fiscal recessivo.
Todos nas ruas e não vai ter golpe!
Roberto von der Osten, presidente da Contraf-CUT