A atenção privilegiada aos credores do Estado brasileiro rendeu-lhes ganhos de 6,5% em termos reais ao ano entre 2005 e 2014
por Marcio Pochmann, para a RBA
Importantes e poderosas forças econômicas têm pressionado politicamente o atual governo para a realização de um profundo ajuste fiscal. Para isso, insistem prioritária e continuamente na contenção dos gastos públicos.Acontece que quanto mais o governo avança nesse sentido, as despesas públicas contidas são aquelas associadas aos gastos sociais e aos investimentos. Outros gastos governamentais, por exemplo, os pagamentos financeiros decorrentes do endividamento público, têm aumentando significativamente, sobretudo por efeito da elevação da taxa de juros e do uso generalizado dos swaps cambiais.
Para o ano de 2015, somente o atendimento dos compromissos com juros da dívida pública poderá superar os 8% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto no ano passado foi de 5,1% do PIB. A proporção do PIB brasileiro comprometida com o pagamento de juros é uma das maiores do mundo, – são 5,5% do PIB na Grécia, 4,5% na Itália, 3,% em Portugal, 2,5% na França a 0,9% no Japão.
A elevada carga financeira do Estado brasileiro não decorre da existência de uma dívida pública expressiva. Enquanto o endividamento do setor público representa cerca de dois terços do PIB do Brasil, no Japão ele representa 230% do PIB, 177% na Grécia, 132% na Itália, 130% em Portugal, 110% na Irlanda, 103% nos Estados Unidos.
Somente entre os anos de 2010 e 2014, o governo brasileiro comprometeu a quantia acumulada de R$ 1,1 trilhão com o atendimento financeiro dos detentores dos créditos da dívida governamental, sendo que quase a metade deste total foi originária de recursos tributários e a outra parte restante coberta pela contração de nova dívida.
A atenção privilegiada aos credores do Estado brasileiro rendeu-lhes ganhos de 6,5% em termos reais ao ano entre 2005 e 2014. Para esse mesmo período, o rendimento médio dos trabalhadores cresceu apenas um quinto do total dos ganhos dos ricos obtidos pelas aplicações financeiras assentadas na dívida pública.
Em função disso, os já muito ricos detêm o privilégio inegável alcançado pela transferência sistemática de recursos públicos ao pagamento de juros sobre o estoque da dívida pública. Mas não parece ser somente este tipo de privilégio concedido aos ricos, uma vez que seguem sendo protegidos pelo atual sistema tributário.
O balanço dos impostos, taxas e contribuições se apresenta extremamente favorável aos ricos. Isso porque recai fundamentalmente sobre a população assalariada, especialmente a de menor rendimento. Para uma ideia geral, cabe destacar que aqueles que recebem até dois salários mínimos tendem a comprometer cerca de 40% do rendimento mensal com o pagamento da carga tributária.
Aqueles brasileiros com rendimento mensal superior a 20 salários mínimos transferem aos cofres governamentais cerca de 20% do que ganham mensalmente. As informações tornadas públicas recentemente pela Secretaria da Receita Federal indicam os privilégios dos mais ricos, que pagam pouco de tributos, podendo ainda se beneficiar de abatimentos decorrentes do pagamento de despesas privadas com saúde, educação, assistência e previdência.
Resumidamente, o ajuste fiscal e monetário termina privilegiando uma parcela importante dos ricos, que se beneficia da elevação da taxa de juros, com maiores ganhos financeiros aos credores da dívida pública. Ao mesmo tempo, a inexistência de um sistema tributário justo no país libera os ricos dos impostos, taxas e contribuições, ao passo que os concentra fundamentalmente na população de baixa renda.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia da Unicamp (SP)