Por Jacy Afonso
No dia 18 de março o Brasil viveu um dia histórico. As manifestações em defesa da democracia afloraram em todas as capitais e em cidades do interior do país. Em Brasília vivemos uma das maiores manifestações já vistas pelo Distrito Federal.
Foi um brado massivo das classes trabalhadoras e populares diante do Congresso Nacional. Como um dos oradores no ato, fiz referência ao simbolismo que aquele local representava. Tínhamos à esquerda o Palácio do Planalto e à direita o Supremo Tribunal Federal. Mais de 50 mil vozes expressaram a indignação com a articulação cínica em torno do golpe branco em curso apoiado pela grande maioria conservadora e retrógrada dos parlamentares.
Neste momento decisivo para o país, enquanto bancário, trago à memória que o Sindicato dos Bancários de Brasília nasceu junto com Brasília, em 1960. E já em 1964, enfrentando o golpe militar, o então presidente da instituição, o saudoso e combativo Adelino Cassis, e toda sua diretoria foram cassados e perseguidos. Porém, jamais houve qualquer dúvida da luta pelo resgate da democracia. Cassis especialmente, apesar de demitido do Banco do Brasil, perseguido, torturado, sempre acreditou no resgate das liberdades democráticas e atuou toda sua vida para isso. E deixou essa herança aos seus sucessores.
O Sindicato dos Bancários de Brasília desde então se tornou referência de combatividade e defesa de direitos. Muitas vezes esteve, juntamente com a CUT, outras centrais sindicais e com os movimentos populares, lutando para defender direitos e ampliar conquistas. Forjou uma história importante e deu a conhecer uma atuação firme e combativa. Como, por exemplo, contra a terceirização, expressão do que o Cunha e seus aliados querem fazer com a classe trabalhadora: retirar conquistas, explorar, tirar o sangue, acabar com garantias de trabalho e vida digna.
É a partir desse exemplo que precisamos refletir. O golpe comandado dentro do Congresso por Cunha e seus parceiros deputados, candidatos em geral financiados pelas grandes empresas brasileiras, já plantou a insegurança, barrando investimentos públicos e privados e trazendo consequências negativas sobre o emprego e a renda dos trabalhadores.
Os mesmos grupos da elite social e econômica que em 1964 articularam o golpe militar para impedir as reformas de base que João Goulart buscava implementar comandam agora uma nova investida contra a democracia construída a duras penas e que ainda precisa de muitos avanços para efetivamente se concretizar em nosso país. Querem retirar o que já conquistamos, as nossas riquezas mais caras, como o pré-sal, a menina dos olhos das multinacionais, representadas por parlamentares que possuem um histórico de ataque às empresas públicas e de entreguismo do que nos é mais valioso.
Não tenhamos dúvidas de que as manifestações pelo impeachment, travestidas de preocupação com o Brasil, são efetivamente contra a soberania nacional. Não nos é desconhecida que a primeira coisa que os Estados Unidos fez ao se descobrir o petróleo em águas profundas brasileiras do pré-sal foi reativar a Quarta Frota de sua Marinha. Essa ação gerou preocupação em toda a América Latina que imediatamente sentiu a pressão do poder marítimo na condução da política externa norte-americana. O papel que a Embaixada americana fez em 64 provavelmente está se repetindo agora nesse teatro de mau gosto encenado para esconder suas verdadeiras intenções.
Para tanto, usam atores subservientes no Congresso nacional, nos meios de comunicação e em grupos de direita. Todos, desde sempre estão a serviço do imperialismo, que sob o argumento de combater a corrupção, escondem da população suas verdadeiras intenções. A Rede Globo, cuja concessão pública está em vias de vencer, precisa ser avaliada com seriedade e, se necessário, cassada, porque não serve à nação brasileira. É porta voz de interesses escusos, imperialistas e antinacionalistas. A democratização dos meios de comunicação é cada vez mais urgente no Brasil. Os conglomerados de comunicação não podem determinar a opinião pública em uma única direção. Democracia também implica opiniões múltiplas e diversas.
Nós, trabalhadores/as, precisamos nos aproximar cada vez mais de nossas entidades representativas, organizar cada local de trabalho, debater com nossos/as companheiros/as, falar, ouvir, construir opiniões, buscar consensos de que a democracia sempre é o melhor caminho. Precisamos nos contrapor às verdadeiras intenções do atual Congresso Nacional, conservador, fascista e corrupto, que se resumem em retirar conquistas dos/as trabalhadores/as, como Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, Prouni e outros programas sociais, e obter mais lucros. Não se trata de defender governo Dilma, que recebe críticas generalizadas, mas sim assegurar as instituições democráticas, o mandato legitimamente obtido nas urnas, e bloquear sua substituição ilegítima, pelo golpe, por um projeto rejeitado pelo voto porque retrocede em direitos dos trabalhadores e fere a democracia.
Levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar – Diap aponta 55 matérias em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado que representam ameaças aos direitos trabalhistas e sociais. Estão ali desde o projeto que amplia as possibilidades de terceirização (PLC 30, aprovado na Câmara e em debate no Senado) até a proposta (PL 4.193) de que acordos possam prevalecer sobre a legislação – a tese do negociado sobre o legislado, lançada no governo Fernando Henrique Cardoso, derrubada no início do governo Lula, mas que foi reapresentada em 2012. Também estão na berlinda questões como redução da maioridade penal e da idade para início da atividade laboral, demarcação de terras indígenas, criminalização da vítima de violência sexual, alterações no estatuto do desarmamento, mudanças no conceito de trabalho escravo, privatização de estatais.
Esses projetos de destruição dos direitos são desrespeitosos e pretendem retroceder todo e qualquer avanço nas áreas trabalhistas e sociais. Dizem respeito diretamente a trabalhadores, mulheres, indígenas, homossexuais, negros, militantes ou não. Querem jogar a sociedade brasileira na vergonha de retornar ao século passado, retomando a lei da casa grande e jogando os trabalhadores na senzala. Não nos iludamos: a exploração do trabalho, a entrega das principais riquezas brasileiras às transnacionais e o impedimento de que os países latino-americanos liderados pelo Brasil rompam definitivamente com os grilhões do imperialismo estão aí, expostos nessa vergonhosa tentativa de impedimento do Governo eleito e de outros que estejam ao lado dos oprimidos, explorados e discriminados.
Mostramos no dia 18 de março que temos capacidade de impedir o golpe. Não há dúvidas que temos capacidade de mobilização e reação. Precisamos continuar conquistando corações e mentes dos/as trabalhadores/as brasileiros/as, a grande maioria desta nação. A unidade de ação do movimento sindical e social pela preservação de direitos e conquistas é fundamental.
Novas mobilizações estão sendo programadas e culminarão com um grande ato no próximo dia 31 de março, em Brasília, na mesma data em que se instalou em 1964 o tenebroso período da ditadura. Ter em mente o retrocesso que aquele golpe representou ao país e aos trabalhadores será fundamental para, agora, darmos mostra de nossa capacidade de resistir à retirada de direitos trabalhistas, sociais e econômicos. Novamente, resistir é preciso; mais que isso, é imprescindível.
Jacy Afonso é Sindicalista em Brasília, Secretário de Formação Sindical da Fetec-CUT/CN