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17 de Novembro de 2015 às 09:10

Lei das Estatais, uma nova ameaça à Caixa 100% pública


Por Maria Rita Serrano

Fui surpreendida – como, acredito, muitos também o serão ao ler esse artigo – pela notícia de que tramita no Senado um projeto chamado Lei de Responsabilidade das Estatais que, entre outras medidas, coloca em risco mais uma vez a Caixa 100% pública. Aprovado há duas semanas pela comissão mista criada em junho pelos presidentes da Câmara dos Deputados e Senado Federal, deve ser votado no Senado nos próximos dias, o que torna urgente a divulgação de seus riscos e a mobilização do movimento sindical e sociedade.

A Lei de Responsabilidade das Estatais é um substitutivo ao PL 167 de 2015, do senador Tasso Jereissati, e uma referência ao PLS 343, também deste ano, do senador Aécio Neves, ambos do PSDB. Sob pretexto da "transparência" na condução das estatais, o projeto agora em curso traz em suas normas gerais a determinação de que "empresa pública e sociedade de economia mista serão constituídas sob a forma de sociedade anônima". Ora, das grandes empresas estatais brasileiras, a Caixa está entre as poucas que não têm seu capital aberto nem figuram como de economia mista.

Desde que foi promulgada a Constituição Federal de 1988 foram definidos os limites de exploração de atividades econômicas pelo Estado. Apenas por lei específica pode ser constituída uma empresa pública ou sociedade de economia mista, ou ainda autorizada a criação de subsidiárias. Uma emenda constitucional passou a exigir que seja estabelecido, por lei, um estatuto jurídico próprio para as empresas estatais que exploram atividades econômicas de produção ou comercialização de bens ou serviços. Mas essa lei até hoje não foi editada, o que abre espaço para que, de forma antidemocrática e na surdina, regras equivocadas e que prejudicam o patrimônio dos brasileiros sejam aprovadas.

Todos que têm memória sabem que governos do PSDB são adeptos de privatizações indiscriminadas, sucateando empresas para depois vendê-las. Segundo dados divulgados em artigo publicado pelo site do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), desde 1990 cerca de 122 estatais foram vendidas. Hoje existem aproximadamente 150 empresas estatais federais, atuando em setores essenciais como petróleo, energia, comunicações, gestão de portos e aeroportos, financeiro, saúde, tecnologia agrícola, abastecimento e armazenamento, transporte ferroviário, indústria, defesa, entre outros, com mais de 461 mil empregados permanentes e outros 310 mil temporários ou terceirizados.

Agora, os autores do projeto querem que as empresas estatais que restaram abram seu capital e adotem os modelos de gestão de empresas privadas, regras da Bolsa de Valores, valores de mercado e tudo isso sem nenhum debate com a sociedade. O projeto também altera as regras para a indicação dos membros dos conselhos de Administração e os mandatos – prevê no mínimo 20% de conselheiros de Administração independentes – e, nas empresas com capital social acima de R$ 1 bilhão, que a indicação dos conselheiros deixe de ser prerrogativa do Executivo e passe a ser do Senado.

Aqui é preciso destacar: o que seriam, exatamente esses "conselheiros de administração independentes"? A designação é vaga e não traz nenhuma certeza de idoneidade. Muito mais eficaz, e realmente democrática, foi a legislação criada em 2010, durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um marco que permitiu aos trabalhadores das estatais eleger seus representantes para os conselhos de administração das empresas – como, sabemos, de fato ocorreu na Caixa e outros locais de trabalho.

Evidentemente, não se discute a necessidade de transparência nas gestões das estatais. Denúncias e apurações de mau uso do dinheiro vêm sendo apuradas e – ao contrário do que divulga a imprensa sistematicamente – não começaram nos governos petistas. A melhoria da governança nas empresas públicas é algo importante e necessário, e a fiscalização dos recursos públicos e uma gestão transparente são exigências da sociedade democrática e dos movimentos organizados, que sempre levantaram a bandeira da defesa das empresas públicas e sua atuação plena nas áreas sociais e no desenvolvimento do país. Mas a discussão em pauta no Congresso claramente não tem esse objetivo, pois de forma leviana tenta-se subordinar as estatais à lógica de mercado e ao Legislativo, esvaziando o controle do Executivo.

No artigo publicado pelo Diap, os autores Luiz Alberto dos Santos e Jean Keiji Uema lembram que “a opção privatista não é resposta viável à chamada crise do Estado. Pelo contrário. Essa opção, em passado recente, foi imposta mais pelos mercados do que pela realidade, ou pela incapacidade de empresas estatais serem geridas eficientemente. A contribuição das estatais tanto para a formação bruta de capital quanto para o equilíbrio macroeconômico, o alcance de metas fiscais e aumento da taxa de investimentos é inegável (Gobetti, 2010). Programas de investimento desafiadores, com a participação ativa das estatais na sua formulação e execução, dependem, fundamentalmente, de sua eficiência e capacidade de gestão”.

Essa eficiência e capacidade de gestão, marcadas pela responsabilidade, lisura e democracia são também o que desejamos. Mas não se pode aceitar que empresas como a Caixa abram mão de seu papel social. Como integrante de seu Conselho de Administração, representando os empregados, tenho plena convicção de que essa forma de governança honesta e saudável para todos se fortalece ainda mais quando pensamos na importância da Caixa como banco essencialmente público.

É essa discussão que devemos levar adiante nos próximos dias, envolvendo todos os setores da sociedade civil – já que a ameaça não se restringe à Caixa –, assim como os movimentos sindical e de empregados, desde já alertando que, mais uma vez, será necessária ampla mobilização.

 

Maria Rita Serrano é funcionária da Caixa, dirigente sindical do Sindicato dos Bancários do ABC, da Contraf/CUT e representante dos empregados no Conselho de Administração da Caixa Econômica Federal. É mestra em Administração.


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