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6 de Julho de 2023 às 06:00

Artigo de Eduardo Araújo | #JogaJuntoBB: uma nova forma de escravidão pela exploração de si mesmo?


Eduardo Araújo

Escrevo este texto para levantar a discussão sobre o #JogaJuntoBB, que tem por objetivo criar dispositivos de reconhecimento como indicador de desempenho. Entre esses objetivos destacam-se: “Impulsionar os funcionários a níveis mais altos de desempenho no trabalho” e “Buscar o engajamento de forma que os funcionários se identifiquem e se sintam reconhecidos”. O jogo utiliza a premiação, em forma de moedas, para classificar os funcionários em categorias como diamante, barras de ouro e moeda de ouro. Estabelece critérios para premiação de exclusão daqueles que não alcançam o mínimo. Ainda atesta que “participação nessa ação de reconhecimento é voluntária e não gerará qualquer direito ou vantagem”. 

O que estaria por trás desde jogo? Seria apenas uma simples ação de desenvolvimento de pessoas? Quais os ganhos organizacionais com este tipo de dispositivo?

Muitos… especialmente o engajamento psíquico e emocional dos funcionários, seja pelas promessas falaciosas de satisfação plena das sua necessidades, seja pela ameaça e medo de ser punido. O caráter “lúdico” da competição produz a falácia: “Nessa organização somos todos uma família”. A organização passa a funcionar como um “jardim de infância”. Isso ocorre considerando que é na organização onde se satisfazem necessidades, que variam desde a sobrevivência até a realização de projetos de vida, que se viabilizam pelos salários, identidade e realização profissional. Para atender a essas necessidades, as organizações criam estratégias que servem para manter o vínculo cada vez mais afetivo das pessoas com a organização, o que pode levar a comportamentos infantis de dependência, recusa à crítica, resistências à mudança, competição, personalização das relações de trabalho e egocentrismo.

O grupo que entra no jogo talvez seja mobilizado por este afeto ou identidade. Mas todos têm que jogar, logo não tem saída? Todos serão infantilizados e neurotizados? E os que não entram no jogo? Não é voluntária a participação? Falácia… os que não entram ou não conseguem atender estas regras são eliminados. E o que acontece com eles? Não interessa ao Banco, interessa a nós, é a saúde mental e social que está em jogo. E como é estabelecido o laço social entre os competidores? Teria ainda laço? Seria a barbárie? Trabalhadores disputando com trabalhadores da mesma categoria… Este sim é um forte interesse político com este tipo de dispositivo: desestruturar os coletivos de trabalho, criar isolamento e assimetria de poder, enfraquecer a força de trabalho….

Esse jogo produz um tipo de “dominação psíquica” ou “colonização da subjetividade”. O medo e a insegurança podem imobilizar a ação política e levar os trabalhadores a aceitarem o intolerável e insuportável que são a competição exacerbada e a desestabilização emocional que jogos como esses produzem.

Nessa lógica, podemos afirmar que esse tipo de dispositivo é um modo de assédio organizacional. O Código de Ética do Banco do Brasil 2023-2024 é muito claro em relação às práticas de discriminação, desrespeito, violência e assédio moral e sexual. Por exemplo, no Código está escrito: “Repudiamos condutas que possam caracterizar discriminação ou sua indução; coação, perseguição ou constrangimento; desrespeito às atribuições funcionais; desqualificação pública, ofensa ou ameaça”; “O assédio moral é uma forma de violência grave e que tem como objetivo desestabilizar emocional e profissionalmente a pessoa… O sofrimento gerado impacta a autoestima, gera desmotivação, podendo evoluir para a incapacidade laboral e/ou quadros de adoecimento”; “ Exigimos que os nossos líderes respeitem o Código de Ética e a Política de Relacionamento com Clientes e Usuários, promovendo a indução de seus liderados para esse mesmo fim”.

Esse jogo de reconhecimento, realmente um uso indevido do conceito de reconhecimento, está respeitando este Código de Ética? Parece que não…

O jogo tem como paradigma a discriminação, a exclusão e o constrangimento. É a lei da seleção dos mais fortes e melhores. Por isso, em si mesmo é um instrumento de assédio moral dos seus empregados. Aqueles que não se destacarem, e observe, pelo excesso, ou seja, fazer mais que o exigido num contrato de trabalho formal, será eliminado…

A lógica é perversa. Como escreve a professora Ana Magnólia, nossa parceira, em um dos seus inúmeros artigos: “Sob o argumento da busca do bem-estar dos empregados, observam-se verdadeiros disparates, como o disfarce dos objetivos econômicos e políticos pela valorização dos empregados no nível discursivo e, ao mesmo tempo, a simultânea e crescente descartabilidade dos trabalhadores enquanto prática como se não houvesse nenhuma espécie de incoerência nesses aspectos”.

Ainda para professora, “as abordagens de gestão de pessoas que adotam este tipo de dispositivo para ‘motivar’, por meio da gestão pelo medo, seus empregados, excluem o trabalho como categoria ontológica. São abordagens funcionalistas que se sustentam no discurso da humanização e da crítica ao que está posto sem duvidar do saber ali produzido. Por isso, correm o risco de se desdobrarem em práticas organizacionais que os aplicativos reproduzem ou produzem, que podem ser muito eficazes para manter o bem-estar do trabalhador, por meio de dispositivos de adaptação-ativa à organização do trabalho, uma nova forma de escravidão pela exploração de si mesmo”. Partindo desse princípio, ela diz existirem artifícios para proceder à colonização do sujeito através do discurso que leva à substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto. Nesse contexto, as doenças do trabalho historicamente também se acumulam, crescendo os casos de depressão, fobias, paranoias e ansiedades. Sendo mais alarmante o aparecimento de novas patologias que estão na base desses adoecimentos, em especial a patologia do medo, a normopatia, e a melancolização. Essas coabitam com a patologia da indiferença, da servidão, da violência, da sobrecarga; juntos, constituem ameaças aos laços sociais, podendo ceder lugar às barbáries civilizatórias.

A partir destas considerações, afirmo que os riscos destes dispositivos são primeiramente a despolitização da categoria, mas também e tão forte quanto, o adoecimento social e mental. O discurso que esse programa produz e o quanto que ele usa de sedução para nos convencer de que nós somos livres, de que nós temos um livre-arbítrio, é prerrogativa da lógica perversa do neoliberalismo. A opressão que este tipo de dispositivo produz paralisa o trabalhador, é muita violência para ser confrontada… E o que fazer para resistir a essa rede de falácias e dominação?

Nos informar, analisar, observar, pensar, discutir, lutar contra a patologia da indiferença e da normopatia. Pois a indiferença é conivente com o uso abusivo do poder de uma forma desmedida, excessiva, sem limites – a coisificação das pessoas – tratadas como moedas que podem ser vendidas e trocadas. É hora de resgatar a dignidade do trabalho bancário e o sofrimento ético como potência de luta contra as desmesuras e a lógica perversa de dispositivos como o #JogaJuntoBB.

Eduardo Araújo é presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília


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