Por Rodrigo Mondego - Brasil de Fato
O advogado e militante de direitos humanos Rodrigo Mondego rebate algumas frases feitas e argumentos conservadores usados por pessoas militantes da extrema direita ou simplesmente desinformadas. Veja algumas questões esclarecidas pelo advogado:
1. A violência no Brasil é culpa dos direitos humanos?
Para grande parte do senso comum brasileiro, que é influenciado por um pensamento conservador de ultradireita, nossa segurança pública não funciona, pois nosso Estado age como o dos países desenvolvidos, ou seja, respeita os direitos humanos. Parece loucura, mas não é. Podemos analisar em diversos discursos impregnados no senso comum que garantem essa afirmativa. A sanha punitivista, somada com a mídia sensacionalista e a ignorância sobre dados concretos, fazem com que grande parte da nossa sociedade acredite que apenas o aumento de penas e da repressão poderá nos tirar do caos e violência que vivemos. Vamos a alguns bordões bastante tradicionais e suas falácias:
2. “Preso no Brasil tem hospedagem de luxo”
Essas é uma das principais mentiras no que tange nosso sistema carcerário. Diversos organismos internacionais qualificam grande parte de nossos presídios como masmorras medievais, onde frequentemente há superlotação, tortura, estupros, comida podre, assassinatos, massacres como o de Manaus no início deste ano, e alto índice de reincidência em crimes. Para justificar a ideia de luxo, sempre pegam algum caso isolado de algum líder de facção que conseguiu benefícios e mordomias pagando propina para agentes penitenciários corruptos.
Nos presídios holandeses, por exemplo, onde há respeito integral aos direitos humanos dos detentos, há um baixíssimo índice de reincidência de egressos do sistema carcerário, ou seja, quase todos que entram não voltam a cometer crimes. Enquanto na Holanda se fecham presídios por falta de presos, aqui temos como perspectiva a construção de mais cadeias.
3. “Nossas leis são leves demais, tínhamos que prender mais ou matar os bandidos”
Se prender e matar resolvesse problema de segurança pública, nós estaríamos muito mais seguros do que em qualquer país da Europa, por exemplo. Temos o Estado que mais mata no mundo e o 3° que mais prende. Nem liderando o ranking de polícia mais letal do mundo e mais do que dobrando a população carcerária nos últimos 15 anos, podemos dizer que estamos mais seguros do que no início da década de 2000.
Enquanto países desenvolvidos começam a estudar outras alternativas a prisão, como a justiça restaurativa para casos de crimes menos graves, nós caminhamos na contramão do processo civilizatório e ampliamos as penas de prisão. Nossos conservadores ainda querem mais, querem que nos inspiremos em práticas de enfrentamento a criminalidade de países como Afeganistão e Iraque, onde há penas tortura, linchamento, trabalho forçado e morte. Práticas essas também usadas em territórios controlados pelo Estado Islâmico.
4. “Defensor de direitos humanos nunca vai em enterro de policiais, só de bandidos”
Se criou a falácia de que os policiais são a antítese dos defensores de direitos humanos. Como se, necessariamente, ambos fossem naturalmente inimigos, o que não é verdade. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, o único órgão que dá assistência jurídica e psicológica às famílias de policiais mortos é a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. É impossível a construção de uma segurança pública eficiente violando os direitos humanos, seja dos policiais seja de uma outra pessoa qualquer da população.
Infelizmente, o Estado brasileiro não respeita como deveria seus agentes, principalmente policiais militares, que têm corriqueiramente diversos diretos violados. Todos os policiais acabam sendo vítimas de violações por parte do Estado, mas apenas alguns passam a ser perpetradores de violações de diretos humanos na qualidade de agentes do Estado. Apenas com esses últimos é que há uma crítica e um enfrentamento por parte de militantes e de organismos de direitos humanos.
5. “A criminalidade é culpa dos direitos humanos”
Tratam os direitos humanos no Brasil como se fosse um órgão único e uniforme, com forte influência em todas as esferas do Estado. Não é uma coisa nem outra. Diferentemente de países desenvolvidos, a pauta de direitos humanos é bastante secundarizada e estigmatizada no país, devido à pouca influência dela em vários espaços de poder e à forma que ela é tratada no senso comum. No Congresso Nacional, os deputados e senadores que se reivindicam defensores da pauta são a esmagadora minoria frente a outras bancadas dos parlamentares conhecidos como das bancadas BBBs (boi, bala e bíblia), que são assumidamente antidireitos humanos.
No Judiciário, a proporção é quase a mesma: juízes garantistas são minoria e quase sempre exprobados pelos colegas. No Executivo, temos o exemplo da ex-ministra do Direitos Humanos e hoje deputada federal, Maria do Rosário, que cotidianamente sofre com boatos e calúnias na internet, mesmo tendo saído do ministério há quase três anos.
Não é tão difícil perceber, olhando a situação de outros países, que, quanto mais uma sociedade respeita os direitos humanos, menos violenta ela é. A ultradireita brasileira prefere não enxergar isso. Para ela, é melhor ficar com os mitos.
* Rodrigo Mondego é advogado e militante de direitos humanos