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23 de Janeiro de 2018 às 08:37

Celso Amorim: ‘Há uma criminalização da política progressista. Uma condenação de Lula vai reforçar isso’


Crédito: Guilherme Santos/Sul21
O ex-ministro de relações exteriores, Celso Amorim, foi uma das principais presenças no primeiro dia de atos em apoio a Lula, em Porto Alegre

Sul21
Fernanda Canofre

Por onde passou em Porto Alegre, nesta segunda-feira (22), o ex-chanceler Celso Amorim foi tietado. Selfies, abraços, era difícil conseguir tirá-lo para cinco minutos de entrevista, sem que alguém o parasse no caminho. Mas, por alguns minutos, entre uma fala no “Diálogos Internacionais Para a Democracia” e outra no Ato de Juristas em Defesa de Lula, ele conversou com o Sul21 sobre o que está em jogo esta semana.

Para Amorim, afirmar que “eleição sem Lula é fraude”, como diz o manifesto com mais de 200 mil assinaturas, “não é tese, é real”. Ele vê a sentença e o processo contra o ex-presidente como “uma construção de hipóteses em cima de hipóteses” muito frágil para afirmar qualquer coisa.

Sul21: Quais as principais questões que o senhor vê como problemas no processo?

Celso Amorim: Eu não sou jurista, eu tento me guiar pela opinião de juristas de renome. Eu não conheço nenhum que esteja defendendo essa sentença. Só dentro da máquina judiciária é que teve alguns que defenderam, parece que teve um daqui que até disse que era “irretocável” [em referência à declaração do presidente do TRF4, Carlos Thompson Flores, em entrevista ao Estadão]. Hoje tem um artigo em um jornal [Valor Econômico] em que eles entrevistam quatro juristas. Nenhum deles, que eu saiba, é ligado ao PT, de esquerda, não sei em quem eles votam, mas todos eles dizem que a sentença tem falhas, que garantiriam uma absolvição. Quer dizer, falhas formais da maior importância. Por exemplo, o Ministério Público acusou de uma coisa e o juiz condenou por outra. Coisa que não é possível, teria que começar outro processo. Não há o ato de ofício, que configura o crime de corrupção. Essa flexibilização das regras não se faz com ninguém. O direito humano de qualquer pessoa é sagrado. Mas, veja, um líder político como o Lula, não é só ele que está sendo atingido, é o povo brasileiro. Não que o Lula seja melhor, que tenha que ter um tratamento diferente, mas é uma coisa que interessa ao país, é de interesse público. Por isso, o mundo está vendo.

Hoje, aliás, esse mesmo jornal dizia que o presidente de fato [Michel Temer] está preocupado que a presença dele em Davos, no Fórum Econômico Mundial, seja ofuscada pelo julgamento. É a coisa mais importante que existe esse julgamento! Eu tenho muita vida de História do Brasil. Tenho 75 anos, quer dizer, votei para presidente antes do golpe militar. Acho que esse momento é absolutamente crítico, porque ele vai definir como… Eu tomo cuidado com as palavras, porque tudo o que a gente diz, dizem que é “ameaça”. Mas não é, é uma análise. Parto do princípio que o Lula é um grande conciliador. Ele defendeu os pobres, de maneira não-violenta, sem agredir os ricos. Aliás, estava melhorando para todo mundo. A desigualdade caiu nos anos do PT, isso é muito importante e o povo sabe disso. Não está falando uma coisa abstrata.

Se o Lula ou o PT perderem uma eleição, vou ficar chateado, mas é diferente, porque você está dentro de regras. Agora, fazem um golpe parlamentar, pode usar o artifício que quiser usar, nem sei se as leis foram respeitadas formalmente, porque no conteúdo não foram. O próprio instituto do impeachment não existe para mudar um projeto de governo. Ele é para mudar um eventual mal feito. É uma coisa absurda você ter um programa de governo hoje, que é contrário ao que as pessoas elegeram [nas urnas]. Se você impede o presidente Lula de concorrer agora, não sei o que vai acontecer. Espero que, na hora, baixe uma luz e um bom senso e ocorra algo diferente.

‘Você ter essas sessões do Supremo Tribunal Federal televisionadas, por exemplo, acho um erro, porque eles viram estrelas, cada um competindo para ver qual pune mais’ | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: O senhor vê politização no Judiciário atual?

Celso Amorim: Sem dúvida, mas não posso julgar cada ato individual. Se os próprios juristas estão vendo isso e se vê uma aceleração, isso não é político? É óbvio que é político.

Sul21: Isso é novo na História do Brasil?

Celso Amorim: Dessa forma, é. Eu, pessoalmente, acho até que é um erro, mas isso é outra discussão. Você ter essas sessões do Supremo Tribunal Federal televisionadas, por exemplo, acho um erro, porque eles viram estrelas, cada um competindo para ver qual pune mais. Quem pune mais… Claro, o povo vê que está ruim, quando tem uma punição, eles acham que é um criminoso que está sendo punido. Depois é que ele começa a distinguir, como está distinguindo agora o que está acontecendo com o Lula. Mas, no primeiro momento, a sensação é essa. Acho que há uma politização, que alguns fazem parte [de um forte projeto de derrubar a possibilidade de um governo progressista no Brasil]. Se eles não sabem que estão, é porque não acordaram para a vida.

Sul21: Ou seja, existe o fator de pressão da opinião pública, especialmente com a cobertura em massa. Isso pode influenciar o Judiciário?

Celso Amorim: Pode influenciar, acho que pode. Minha impressão é que tem influenciado no passado. Eu, como disse a você, sou otimista e acho que uma luz pode olhar à leitura de tantos comentários, de tantos colegas juristas, que são independentes, que não estão defendendo tese nenhuma, que não são lulistas, nem do PCdoB, que estão dizendo que a sentença é falha. Agora tem até um livro de um professor de lógica mostrando as falhas lógicas. Eu já tinha notado as falhas de sintaxe, para falar a verdade. Mas enfim, é a pobreza intelectual…

Sul21: Se essa condenação for mantida, que precedentes abre para a América Latina?

Celso Amorim: Eu estou mais preocupado com o que vai acontecer no Brasil. Na região, pode ser que influa também, no Judiciário de outros países. Aliás, já está ocorrendo. Não acompanho o dia-a-dia, mas sinto que a ex-presidenta Cristina Kirchner também está sendo perseguida. Meu colega lá, que foi ministro das Relações Exteriores, que é de origem israelita, foi condenado por um acordo com o Irã. Gente, essas coisas não são [crime], ele fez o que achou que era o melhor interesse do país. Há uma criminalização da política progressista. Acho que isso vai reforçar. Mas, eu me preocupo muito, algo que eu vejo no Brasil, é que aqui existem brechas sociais tremendas. Vocês vai aprofundar essas brechas, alimentando as diferenças e jogando nisso um elemento maior de ilegitimidade.

‘Se é pra dizer que tudo é uma loucura, eu digo, como Hamlet, que “tem método nessa loucura”’ |Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21: O senhor citou na sua fala quem vê nisso tudo uma conspiração.

Celso Amorim: Como eu não sou juiz – porque juiz é diferente, juiz tem que falar de prova, não de convicção – posso dizer que tudo está tão encaixadinho, que é difícil você não ver alguma lógica nessa coincidência. Se é pra dizer que tudo é uma loucura, eu digo, como Hamlet, que “tem método nessa loucura”. Dizia um amigo meu aí: eu acredito em conspiração, quem quiser que acredite em coincidência.

Sul21: Por que o senhor acredita que eleição sem Lula será fraude?


Celso Amorim:
 É fraude contra o povo brasileiro, porque você não está permitindo que o homem que é considerado o melhor presidente de todos os tempos do Brasil, pela grande maioria do povo brasileiro, que é ainda apontado nas pesquisas como favorito, com o dobro dos votos do segundo colocado, você vai privar o povo do direito de votar nele, com base em uma coisa que é, no mínimo frágil? A gente está vendo tantos juristas… Como um jurista como Galeano vai sair dos cuidados dele, de jurista, para publicar um artigo? Não sou só eu que acho não. Tem quase 200 mil assinaturas nesse manifesto de que “Eleição Sem Lula é Fraude”, personalidades nacionais e internacionais.


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