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11 de Junho de 2021 às 15:59

Cientistas apontam culpa de Bolsonaro por tragédia sanitária. ‘Mentira que mata’


Crédito: Jefferson Rudy/Agência Senado
Pasternak ironizou a lógica sobre o uso da cloroquina

RBA
André Rossi

São Paulo – A microbiologista Natalia Pasternak disse à CPI da Covid que o “negacionismo da ciência, perpetuado pelo próprio governo (federal), mata”. A pesquisadora foi uma das duas testemunhas ouvidas pelo colegiado em depoimentos tomados nesta sexta-feira (11). O outro foi Claudio Maierovitch, médico sanitarista e ex-presidente da Anvisa, que destacou a inoperância da gestão Bolsonaro no enfrentamento à pandemia, sobretudo do discurso de imunidade de rebanho. “Rebanho se aplica a animais e fomos tratados dessa forma. Ao se tentar produzir ‘imunidade de rebanho’ . Infelizmente o governo brasileiro se manteve na posição de produzir imunidade de rebanho às custas de vidas humanas .”

Pasternak disparou contra o governo na conclusão de sua fala inicial, ainda antes do começo do interrogatório propriamente dito. Ela foi além. Disse que “negar a ciência e usar esse negacionismo em políticas públicas não é falta de informação, é uma mentira. E no caso triste do Brasil, é uma mentira orquestrada pelo governo federal e pelo Ministério da Saúde. E essa mentira mata. Ela leva pessoas a comportamentos irracionais, que não são baseados em ciência. Isso serve para o uso de máscaras, distanciamento social, para a compra de vacinas que não foi feita em tempo pra proteger a nossa população”.

Jefferson Rudy/Agência SenadoMaierovitch abriu um leque de omissões do governo federal (Jefferson Rudy/Agência Senado)

A pesquisadora falava à CPI da Covid usando a própria cloroquina como exemplo para o que deve e o que não deve ser levado em consideração quando o assunto é política pública ancorada na ciência. Começou explicando a diferença entre o que é correlação e o que é causa e efeito. Explicou que a única maneira de conseguir uma resposta para a pergunta sobre se determinada substância é eficaz para determinada finalidade é “por meio de estudos randomizados, controlados, duplo-cegos e com grupo placebo”. Só assim, é possível estabelecer causa e efeito. Correlação, por outro lado, não passa de observação empírica. “Correlação dá uma pergunta, mas não dá uma resposta”.

Para ilustrar melhor o que dizia, usou ironia. Apresentou um gráfico que ilustrava uma relação entre venda de queijos e concessão de bolsas de engenharia. “A gente vê um gráfico perfeito, plotado com dados absolutamente reais e a gente vê uma correlação perfeita entre o consumo de queijo muçarela nos Estados Unidos e o número de bolsas de estudo concedidas para engenharia civil. A correlação é perfeita. Se a gente for olhar a correlação da cloroquina assim, a gente pode concluir que aqui no Brasil o problema das bolsas de estudo na pós graduação é fácil de resolver. É só as pessoas comprarem mais queijo.” Também atacou o que chamou de “evidências anedóticas”: “‘ah, mas o meu vizinho, meu cunhado, meu tio tomou e se curou’. Evidências anedóticas não são evidências científicas. Não servem, são apenas ‘causos’.”

Não salvou nada

Claudio Maierovitch, por sua vez, fez um balanço sobre tudo o que poderia ter sido feito e não foi pelo governo Bolsonaro. Começou sua participação na CPI da Covid citando que até 2019, segundo a Universidade Johns Hopkins, o Brasil era o nono melhor entre 195 países no quesito resposta rápida ao alastramento de pandemia e mitigação, parte de um índice global de segurança em saúde. Depois, segundo ele, um estudo australiano colocou o Brasil na última colocação entre 98 nações.

“Esse (estudo da Johns Hopkins) reflete o que era a preparação do Brasil para epidemias. Nós temos, em primeiro lugar, um Sistema Único de Saúde, o único país com essa dimensão com um sistema público dessa magnitude, de acesso universal, capilarizado.” Destacou as estratégias de saúde da família, “que conhece o ambiente, o comércio, o saneamento das suas áreas de atuação”. Lembrou que o Brasil é um país com um sistema nacional de vigilância em saúde, com planos de emergência e contingência. “Nós temos desde 2014 um plano mestre para resposta de emergência e vários planos específicos. Falo com certa tranquilidade, poque tive a oportunidade de estar envolvido na coordenação para a elaboração desses planos”.

Maierovitch explicou que os planos viabilizam ações rápidas de respostas à uma emergência. Disse que para (o governo) comprar um medicamento, por exemplo, há um trâmite que leva tempo. “Passa por um período de definição de qual o medicamente, definição técnica, especificação, elaboração de edital, passagem pelo jurídico etc., até que se consiga lançar uma compra para adquirir o medicamento. Quando há preparação, tudo isso deve ter sido aprontado previamente. Tá lá pronto o edital, tá lá pronta a especificação do medicamento adequado para cada uma das crises que pode surgir. Em geral, se a gente fala de epidemia, fala de velocidade. Fala de pressa para resolver. O Brasil tinha isso, plano de emergência e contingência.”

O médico acrescentou a existência de uma agência nacional de vigilância sanitária organizada (a Anvisa), o que permite a adoção de medidas preventivas necessárias nos pontos de entrada do país, de circulação de pessoas, em relação a produtos e serviços. Isso tudo para dar segurança, indicações, orientações à população. Acrescentou à lista de infraestrutura de que o país dispõe, uma rede de farmácias e de laboratórios de produção de medicamentos “invejáveis no mundo. Laboratórios públicos. Estamos entre os poucos países de baixa e média renda que têm esse tipo de estrutura”.

Como poderia ter sido feito?

“Em primeiro lugar, a presença do Estado”, respondeu Claudio Maierovitch aos integrantes da CPI da Covid. Inicialmente com um plano de contenção, antes da pandemia entrar no Brasil. “Especialmente para detecção rápida, para testagem, isolamento, rastreamento de contatos. Nós tínhamos experiência para fazer isso”. O planejamento devia conter também de que maneira o sistema de saúde deveria funcionar para responder à pandemia, prever compras de insumos, como oxigênio hospitalar e kit de intubação. Ele citou como base o enfrentamento ao zica vírus, em 2016, em que o Brasil foi o epicentro de uma crise de saúde pública de importância internacional. “Naquele período se constituíram os mecanismos de gestão, planejamento, comunicação e organização que conseguiram colocar o conjunto das forças da saúde com objetivos comuns.”

Por fim, criticou a ausência de políticas econômicas e sociais voltadas para o combate à crise e chamou o plano de imunização do governo Bolsonaro de “pífio”. “Não entra nos detalhes necessários para imunizar um país. Não tivemos critérios homogêneos definidos para o Brasil inteiro, de forma que ficou a cargo de cada estado ou município definir seus próprios critérios. Pode parecer democrático, mas frente a uma epidemia dessa natureza e com a escassez de recursos que tivemos, isso deixa de ser democrático pra produzir inequidades, na medida em que é difícil para gestores estaduais ou municipais lidar com diferentes pressões e critérios.”

“Não tivemos sequer um plano para aquisição dos imunológicos. Assistimos, estarrecidos, o desestímulo oficial a que um grande laboratório nacional assumisse a produção de vacinas. Certamente o cenário teria sido muito diferente se houvesse uma política oficial de busca de articulações e de acordos para a produção nacional. Certamente o Instituto Butantan podia ter agido mais rápido e com mais pujança”. A amplitude da crítica foi ficando ainda maior e chegou na falta de negociação para a compra de vacinas, da Pfizer e Janssen. O pesquisador disse que a diplomacia brasileira trabalhou no sentido inverso no trato especialmente com os países do Brics, apontou a falta de um sistema de comunicação eficiente, de treinamento, investimento na saúde básica e falta de médicos. “Tudo isso poderia ter sido evitado, poderíamos estar num outro patamar”, completou o médico à CPI da Covid.



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