El País
Luis Doncel
Para María, a expressão "não chegar ao fim do mês" ainda não é precisa. "Não estamos nem no dia 10 e já não dá mais", diz, sem perder o sorriso. Em sua casa, os 900 euros (3.440 reais) que seu marido ganha como motorista e o pouco que ela consegue tirar ao dar uma mão em um bar saem tão rápido quanto entram. Só para o aluguel já são 750 euros. Esta cubana de 30 anos está entre os milhões de imigrantes que chegaram à Espanha no boom da construção e que mais tarde acabaram pagando pelos excessos daqueles dias. Desde então, sofrem com empregos precários e mal pagos. Seu perfil se encaixa perfeitamente com um fenômeno que, apesar de não ser novo, tem crescido em decorrência da crise: a dos trabalhadores pobres.
As estatísticas europeias mostram que este é um problema em alta em todo o continente, mas especialmente grave na Espanha, país que serviu de inspiração para a nova legislação trabalhista brasileira que entrou em vigor no sábado. Entre os espanhóis, 13,1% dos trabalhadores vivem em lares que não alcançam 60% da renda média. Só Romênia e Grécia têm números piores nesse triste indicador. E o risco de pobreza ameaça ainda mais os espanhóis que têm um contrato de trabalho parcial: neste grupo, a taxa dispara para 24,3%.
Mas, além das frias estatísticas, os que estão próximos dos mais desfavorecidos também notam a crescente importância do fenômeno dos trabalhadores pobres. Entre as pessoas ajudadas pela Cáritas em 2015, 40% moravam em lares em que ao menos um de seus membros estava empregado. "O trabalho perdeu a capacidade de integrar na sociedade que tinha até pouco tempo atrás", afirma Lucía Martínez, doutora em Bem-Estar Social da Universidade Pública de Navarra.
Mas as coisas mudaram rápida e radicalmente. A fase mais aguda da crise coincidiu com sua primeira gravidez. A loja fechou e comprovou em primeira pessoa as dificuldades de uma jovem mãe para encontrar um novo emprego. Desde então, já vendeu roupa, atendeu em restaurantes, fez substituições em uma portaria, limpou casas e agora ajuda em dias isolados em um bar, onde ganha de 15 a 20 euros por dia, dinheiro que vai direto para o supermercado mais próximo para comprar comida para ela, seu marido e seus dois filhos pequenos. Para ela, obter os produtos mais necessários é cada vez mais uma nova aventura. Assim como María, mais de 1,1 milhão de mulheres empregadas ganham menos que 710 euros por mês, segundo dados publicados nesta semana. Esta baixa faixa salarial afeta um número muito menor de homens: 400.000.
Para conhecer o mapa europeu dos novos pobres, primeiro é necessário desenhar seu contorno. A estatística da Eurostat fala da pobreza relativa, ou seja, daquelas famílias com receitas substancialmente inferiores à média, mas não de pobreza severa. Para determinar o percentual de trabalhadores pobres, não se mede o salário de uma pessoa concreta em um curto período de tempo, mas sim de um lar em seu conjunto ao longo de todo um ano. Essa amplitude é importante porque a precariedade do mercado de trabalho espanhol –com um altíssimo número de altas e baixas: neste verão se alcançou o recorde histórico de mais de dois milhões de contratos assinados em junho– engloba muitos trabalhadores em épocas de atividade e outras de desemprego. Se em 2007 um de cada seis contratos tinha uma duração igual ou inferior a uma semana, agora esta proporção é de um em cada quatro.
Esses novos pobres podem estar ocupados em curtos períodos de meses, semanas ou inclusive dias. A estatística de 2016 se faz, além disso, com os dados de receitas de 2015, de forma que têm uma certa defasagem temporal. "A situação pode ter melhorado graças à bonança atual, ainda que não de forma demasiada porque os salários não aumentam e a temporalidade aparece. Após quatro anos de crescimento econômico, era de se esperar uma maior recuperação salarial", afirma Florentino Felgueroso, pesquisador especializado em emprego do centro de estudos Fedea.
A pobreza no trabalho impacta com mais força os jovens. A porcentagem de trabalhadores pobres de 18 a 24 anos passou de 7% em 2007 para 21% em 2014, segundo o último levantamento sobre emancipação juvenil na Espanha (2016). Outros coletivos especialmente vulneráveis são as mulheres solteiras com cargas familiares ou as famílias numerosas. "As situações mais graves com vulnerabilidade de direitos trabalhistas continuam vinculadas principalmente aos setores de hotelaria, construção e limpeza de residências", acrescenta Lorenzo.
María recorda da agradável surpresa que encontrou quando chegou à Espanha. "Em Cuba muita gente vive do salário fixo. Aqui, por outro lado, quem se esforçava se saia bem", afirma. Dez anos depois, sua perspectiva mudou: "Agora me dou conta de que aqui não se pode ter filhos".