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24 de Fevereiro de 2016 às 13:33

Qual o problema? Eu tomo três tarjas pretas...

Uma reflexão necessária para o dia Internacional da Mulher


* Por Deise Recoaro

Estamos nos aproximando do 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e quando olho para a categoria que represento, no caso as bancárias, tem uma expressão que não me sai da mente. Ao levantar a preocupação sobre o aumento do uso de antidepressivos entre os bancários, tipo “tarja preta”, com a gerente geral de uma agência, ela me responde: “Qual o problema? Eu tomo três”...

Não sei o que mais me deixa indignada, se é a quantidade de drogas usadas para suportar o ritmo e as cobranças de metas no processo de trabalho; ou se é a indiferença ou a naturalização de um problema que tem levado muitas e muitos trabalhadores à loucura, quando não, à morte.

Não é exagero da minha parte, diversos estudos acadêmicos e as estatísticas oficiais confirmam as denúncias que o movimento sindical vem fazendo em todo país. Em 2013, do total de afastamento por auxílio-doença, 52% correspondem a doenças causadas por transtornos mentais e sistema nervoso.

Voltando à figura emblemática desta trabalhadora, me vêm à mente outras questões ainda: a da tão exaltada “competitividade” e do tal do “poder de resiliência” propagada pelos bancos e especialistas do mundo dos negócios como qualidades para o sucesso profissional.

O investimento na formação e qualificação profissional, em tese, funciona como diferencial numa promoção ou vaga de emprego. Não é à toa que as mulheres em diversas categorias são as mais escolarizadas para poder competir. Porém, pasmem! Na categoria bancária, uma mulher com doutorado recebe em média 56% menos que um homem com o mesmo título nos bancos (segundo pesquisa de Emprego – Desemprego no setor bancário do DIEESE). E eu mais uma vez me pergunto: até quando vamos repetir esse triste dado? Até quando vamos ficar nos perguntando: qual o problema?

Tem problema, sim! A origem está na “construção social de gênero”, que ao longo da história vem estabelecendo papéis e hierarquizando funções – isso é de menino... aquilo é de menina... esse trabalho é de homem... aquele é de mulher... esse vale mais... aquele vale menos... Que beneficia os interesses muito restrito de uma elite, pois essas diferenças só servem para engordar ainda mais o capital de quem detém o poder econômico, poder este que tem cor e sexo. Ou seja, é homem e branco. Então qualquer coisa diferente disso cai na vala comum da discriminação: mulheres, população negra, gays e lésbicas, transexuais...

Agora me vem o conservadorismo religioso querendo fazer caça às bruxas com a nossa emancipação dos “quadradinhos” e “rótulos” que sempre nos limitaram e oprimiram, chamando de “ideologia de gênero” um conceito científico (o conceito de gênero) que desnaturaliza a opressão. Mas essa é uma outra faceta da dominação que não será possível tratar aqui.

Ainda por trás daquela bancária tem outros dramas e dilemas de sobrevivência no mercado competitivo e totalmente desigual: ser ou não ser mãe, abortar ou não, ficar em casa ou não para cuidar dos filhos... Isso sem falar da violência moral e sexual sofrida quase que diariamente pelas bancárias como, insinuações de uso de roupas provocativas para venda de produtos e abordagens sexuais indesejadas em troca de uma promoção ou manutenção do emprego.

 

Reforma da Previdência

Como se não bastassem os obstáculos específicos das bancárias, estão querendo empurrar para nós mulheres trabalhadoras os custos de uma crise que não nos pertence, prevalecendo a lógica de retirada de direitos ao invés de redistribuir a riqueza altamente concentrada. Estamos muito longe de resolver a divisão do trabalho doméstico e de cuidados de filhos e idosos.

Ainda recai sobre a mulher a dupla ou tripla jornada de trabalho, ocupamos os piores postos e recebemos os piores salários e ainda querem igualar a idade mínima para aposentadoria. Isso é inadmissível! Vamos resolver essas pendências históricas para então falarmos em equiparação.

Quanto ao tal do “poder de resiliência”, que segundo o Wikipédia quer dizer “capacidade de o indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas - choque, estresse etc. - sem entrar em surto psicológico”. Os bancos se apropriaram desse termo na maior cara de pau do mundo, para “convencer” seus profissionais que por mais hostil, rude, desumano, violento que seja seu ambiente de trabalho, só os “bons” conseguem sobreviver e renascer das cinzas para continuar produzindo e gerando riqueza.

Gente, isso não é natural! Não é assim porque Deus quis! É preciso desconstruir essas relações sociais de gênero marcadas pela desigualdade, pela submissão e exploração, para reconstruir novas relações, pautadas na igualdade, no compartilhamento, na distribuição de renda e por ambiente saudável de trabalho.

Para finalizar, eu não poderia deixar de parafrasear aqui o velho e bom Marx: “A emancipação da mulher trabalhadora será obra da própria mulher trabalhadora”. Com certeza não será com essa esquizofrenia chamada de Partido da Mulher Brasileira, composto por 21 deputados federais, 19 deles homens, e um senador acusado de pedofilia em 2010. Os movimentos de mulheres e feministas deram uma brilhante lição de mobilização e luta contra o conservadorismo. Não podemos permitir nenhum retrocesso e penalização para que sejamos todas livres... inclusive das tarjas pretas.

 

Deise Recoaro, é Diretora Executiva da Contraf/CUT e militante feminista da AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras.


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