Notícias

home » notícias

14 de Janeiro de 2019 às 06:26

Novos modelos de instituições financeiras acirram concorrência no setor bancário


Folha de São Paulo

Tássia Kastner
SÃO PAULO

Com investimento em tecnologia e uma legião de insatisfeitos com serviços oferecidos pelos grandes bancos, o C6 Bank deve ser a mais nova instituição financeira a se colocar como alternativa a clientes em um mercado ainda concentrado.

O banco digital foi criado do zero por ex-executivos do BTG Pactual e com investimento de R$ 500 milhões.

Por enquanto, aguarda autorização do Banco Central para começar a prestar serviços —no final de dezembro, membros do BC cumpriam a etapa de inspeção operacional na sede, em São Paulo. 

Será um banco completo, com todos os serviços tradicionais de conta-corrente PF e PJ, investimentos, crédito, cartões e câmbio. 

Sem agências e com operação de baixo custo (mas não isenta de tarifas), o C6 fechou ainda parcerias com laboratórios de pesquisa do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) para buscar soluções inovadoras para problemas financeiros, um deles é a construção do modelo de crédito com base em dados alternativos, na tentativa de cobrar juros mais baixos.

O mercado brasileiro tem mais de 300 fintechs (empresas inovadoras do setor financeiro) prestando serviços diversos e conta ainda com a atuação de instituições que não se enquadram nesse conceito, mas que têm atuação digital e disputam clientes dispostos a testar novos serviços.

O C6 entrará em um segmento que tem, além dos grandes bancos, a concorrência de Nubank (2,5 milhões de clientes), Neon (1,6 milhão de clientes), Inter (1,45 milhão) e Original (620 mil). 

Essas instituições ganharam musculatura nos últimos dois anos porque oferecem serviços sem tarifas —ou explicam de forma detalhada as taxas que cobram— e resolvem problemas dos consumidores de forma simples, geralmente em um chat pelo aplicativo.

Bernardo Pascowitch, diretor da ABFintechs, associação do setor, diz que o apelo dessas instituições pode ser sintetizado em quatro itens: atendimento mais eficaz, transparência na cobrança de tarifas, valorização do cliente e preços mais baixos.

"Existe um embate sobre o que é fintech. Tem uma visão que a gente gosta que é colocar o cliente no centro do produto. Os bancos sempre desenvolveram seus produtos com foco nas suas margens, não no cliente."

Executivos e acadêmicos concordam que nenhuma dessas empresas reinventou a roda dos serviços financeiros, mas ao criar empresas pensando em como melhorar a experiência do cliente, transformaram o mercado.

Para o professor Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV, essas novas instituições passam a atender clientes que se consideravam mal atendidos, seja por produtos que não se enquadram nas necessidades ou por serviços mal prestados.

"Há uma certa homogeneização de produtos nos grandes bancos que não leva em conta os perfis dos clientes."

Maria Gabriela Lopes Boruchosas, 25, começou a usar o cartão de crédito Nubank, a mais bem-sucedida fintech brasileira, em 2016. Antes pagava anuidade a um grande banco e relata que tinha problemas com as faturas. 

O aplicativo não funcionava a contento e uma cobrança indevida levou tempo a ser resolvida. Migrou em definitivo quando descobriu que, no Nubank, podia antecipar o pagamento da fatura no aplicativo.

Depois a advogada mudou de emprego e abriu conta em outro bancão, no qual a empresa deposita salário. Apesar do convênio, paga tarifa de R$ 58, da qual pretende se livrar ao converter a conta-corrente em conta salário com portabilidade para a Nuconta. 

"O índice de rejeição dos bancos é enorme, o cliente nos dá uma chance", diz Jean Sigrist, diretor financeiro da Neon Pagamentos.

Leonardo Pedrosa Martinez, 33, foi bancário por três anos e diz conhecer por dentro como funciona a venda de produtos bancários. Abriu em 2016 uma conta na Neon, que hoje utiliza regularmente.

"Eu queria sair da dinâmica de agência, gerente ligando toda semana. Quando quiser um produto, eu vou atrás", diz.

Ele reconhece, porém, os problemas que ainda podem surgir das instituições financeiras mais novas, que não tendem a ocorrer nos bancões. Teve R$ 40 mil em investimentos bloqueados quando o Banco Central decretou a liquidação extrajudicial do Banco Neon, instituição homônima que administrava a operação da fintech.

"Entrei em contato na hora, e a resposta não levou nem 10 minutos. Semanalmente eu cobrava algum status e obtinha a resposta. Pela agilidade e pelo tom da conversa, isso me deixou seguro", diz.

O dinheiro foi restituído em menos de dois meses pelo FGC (Fundo Garantidor de Créditos), acrescenta.
A agilidade de resolver problemas sem ter que ir a uma agência, algo ainda demandado pelos bancões, é citada frequentemente por clientes.

"Por mais que os bancos aperfeiçoem o atendimento, a diferenciação de usuários é limitada pela quantidade de clientes", diz Gonzalez.

A reação dos bancões já está ocorrendo, porém, e vem por parceiras fechadas com fintechs, investimento em tecnologias e até a criação de um banco novo totalmente do zero, como fez o Bradesco ao lançar o Next, em outubro de 2017, atualmente com cerca de 500 mil clientes.

Para Pascowitch, o contra-ataque é natural, mas a postura competitiva não faz tanto sentido assim. 
"Nenhuma fintech quebrou nenhum banco", diz sobre a concorrência em mercados mais maduros, como Estados Unidos e Europa.

Já o professor Lauro Gonzalez tem uma visão mais cautelosa. "Ninguém sabe qual vai ser o papel dos bancos daqui dez anos. Do ponto de vista dos acionistas, não estou preocupado, mas do modelo de negócio, a coisa pode ser muito diferente", afirma.


Notícias Relacionadas