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8 de Agosto de 2018 às 14:00

Argentina vota legalização do aborto em meio a mobilização em massa


Crédito: AP
Marcha a favor do aborto legal em Buenos Aires

El País
Mar Centenera

Argentina estará atenta ao Senado nesta quarta-feira. Os 72 parlamentares da câmara alta votam se legalizam o aborto voluntário até a 14ª semana ou o mantêm na clandestinidade, como crime punível com prisão, exceto em caso de estupro ou risco para a saúde da mãe. É uma votação crucial para a Argentina e também para a América Latina, onde o país é referência na conquista dos direitos sociaisA iniciativa foi aprovada em junho pela Câmara dos Deputados, mas tudo indica que, se não houver surpresas de última hora, não passará no Senado. A sessão acontecerá em um recinto cercado de centenas de milhares de pessoas, a maioria mulheres, mobilizadas nas ruas a favor e contra a lei.

A iniciativa é muito semelhante à dos países mais desenvolvidos: livre escolha da mulher até a 14ª semana de gestação e prazos superiores se houver risco para a mãe, o feto ou se a gravidez for resultado de estupro. Para salvar a lei, seus partidários do Senado aceitaram modificações no projeto original e apresentaram uma novo texto que reduzia de 14 para 12 semanas o período para o aborto livre e incluía a objeção institucional, mas não conseguiram consenso suficiente. Hoje, tentarão novamente introduzir as mudanças durante a sessão, o que devolveria o texto à câmara de origem, a dos Deputados, para a tramitação definitiva.

A meia aprovação da Câmara dos Deputados à legalização do aborto foi comemorada nas ruas de Buenos Aires por dezenas de milhares de mulheres com lenços verdes, abraços e gritos de “aborto legal no hospital”. Mas a vitória apertada também causou uma contra-ofensiva de setores conservadores da sociedade argentina, liderados pela Igreja Católica, pelos evangélicos e por altas autoridades do Governo Macri, incluindo mulheres importantes como a vice-presidente, Gabriela Michetti; a governadora de Buenos Aires, María Eugenia Vidal; e a deputada Elisa Carrió.

A Conferência dos Bispos da Argentina mudou seu tom moderado inicial por um convite explícito à mobilização contra o aborto. No último sábado, dezenas de milhares de pessoas convocadas pelas igrejas evangélicas pediram para os senadores rejeitarem a lei e “salvarem as duas vidas”, a da mãe e a do feto. Dias antes, eles também se manifestaram na frente da quinta presidencial de Olivos. Michetti, que tem o papel de desempatar, se necessário, tem sido contra o aborto, mesmo em casos de estupro, um caso previsto na lei desde 1921.

Aborto legalManifestantes contra a legalização do aborto em Buenos Aires. AFP
 

Parlamentares governistas também apresentaram projetos alternativos à legalização do aborto. O mais controverso foi o do chefe provisório do Senado, Federico Pinedo, que prevê que as mulheres grávidas que não desejam se tornar mães entrem em um programa estatal que cubra todas as despesas até que deem à luz e entreguem o recém-nascido para adoção. A proposta foi comparada ao O Conto da Aia, a distopia de Margaret Atwood em que as mulheres férteis são forçadas a conceber filhos para outras mulheres. Atwood tomou o plano sistemático de roubo de bebês durante a ditadura argentina (1976-1983) como uma das fontes de inspiração para seu romance e teve uma participação ativa no debate atual. “Force partos se quiser, Argentina, mas pelo menos chame o forçado pelo que é, escravidão”, disse a escritora canadense em uma carta aberta.

Atwood é apenas um exemplo da internacionalização do debate, que coincide com a ascensão global das demandas feministas, mas também com o avanço dos governos conservadores na região. Na América Latina, apenas três países reconhecem o direito das mulheres de decidir a interrupção de uma gravidez indesejada nas primeiras semanas de gravidez: Cuba, Guiana e Uruguai. A Argentina tem sido historicamente um país na vanguarda na amplicação dos direitos, como voltou a demonstrar em 2010 com a aprovação do casamento gay e em 2012 com a lei de identidade de gênero, e setores favoráveis ao aborto legal receberam significativo apoio internacional. Em cidades como Barcelona, Berlim, Londres, Madri, Montevidéu, Nova York e Santiago do Chile foram convocados pañuelazos para esta quarta-feira em apoio à lei.

Se o Senado rejeitar o projeto, o tema só poderá ser tratado novamente em 2019, ano de eleições gerais na Argentina. Na última campanha eleitoral, apenas a esquerda incluiu em seu programa a legalização da interrupção voluntária da gravidez. Para a próxima campanha, se o aborto for mantido como crime, todos os candidatos deverão se posicionar.


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