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26 de Fevereiro de 2014 às 08:21

A realidade bela e adversa do Marajó desafia o sindicalismo cutista


Povo ilhado: NO MARAJÓ É QUE SE VÊ O QUANTO É FORTE O CORDÃO SANITÁRIO DE ISOLAMENTO DA AMAZÔNIA
A realidade bela e adversa do Marajó desafia o sindicalismo cutista.  
 
* Por Vera Paoloni
 
Ir aonde o povo está. Essa é a decisão política que tem norteado tanto a Fetagri.PA – Federação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Pará, quanto a CUT-PA nas atividades de formação/organização/comunicação. E com essa disposição e energia, CUT Nacional, CUT.Pará e Fetagri.PA fretaram um barco que virou por 7 dias e 7 noites escola e moradia de quase 80 sindicalistas e profissionais de comunicação, percorrendo 7 dos 16 municípios do arquipélago do Marajó, os sabidamente com menor IDH – Índice de Desenvolvimento Humano   do país: Ponta de Pedras, Muaná, São Sebastião da Boa Vista, Curralinho, Breves, Melgaço e Portel.
 
Se a Região Norte é uma região marcada por desigualdades, o Marajó, no Pará, é a síntese dolorosa da desigualdade no Pará e na região Norte. O rio é a rua da maioria da população marajoara e os preços do transporte privado é caro, com zero acessibilidade para cadeirantes ou quem tenha alguma dificuldade de locomoção. A internet é quase uma miragem. Não existe banda larga e mesmo a telefonia é rara. Então, a comunicação como um direito humano é negada ao povo do Marajó que fica ilhado no cordão sanitário do isolamento.
 
Um fio de cidadania resgata o aviltamento através do programa Mais Médicos, ação acertada do governo federal e que iniciou a injetar atuação de saúde preventiva, contando com a dedicação dos médicos e médicas cubanas espelhados pelos municípios do Marajó. 
 
Itaú, Bradesco, cadê? – Serviços públicos em geral são raros e a chamada bancarização que é a chegada do serviço bancário aos municípios marajoaras, também é quase inexistente. Dos 7 municípios visitados pela caravana das águas, somente em Breves há agências da Caixa, BB, Banpará e Banco da Amazônia. Nenhum banco privado. Bradesco, Itaú, HSBC, Santander? Bancos privados, em especial não têm qualquer compromisso ou responsabilidade com o país, embora seja pública a concessão a bancos,  assim como a tevês e rádios.
 
No Marajó, o tempo é o das marés e como o transporte maciço é fluvial, uma distância como Belém-Breves, de 270 km aproximadamente, é percorrida de balsa por 15 horas e de catamarã, por 6 horas. O povo marajoara se ressente da falta de segurança nos rios e também nas cidades. Nos 7 dias da caravana, ouvimos muito que o tráfico de drogas está crescente no meio dos jovens e que o turismo sexual e o tráfico humano é uma triste realidade com quem convive o povo  do Marajó. Há muita luta e muita resistência, mas a situação persiste.
 
O ponto chave na jornada pedagógica era desenvolvimento sustentável. Responder a perguntas do tipo:  como sobreviver com qualidade e ter desenvolvimento sustentável, em meio à realidade adversa amazônica e marajoara? Como trabalhar as dificuldades e  fazer sindicalismo cutista, integrando rurais e urbanos? Como acessar políticas públicas? E como varar o cordão sanitário do isolamento que cerca a região Norte, a Amazônia e especialmente o Marajó, em que o rio é a rua e o transporte é caro, sem acessibilidade, as distâncias são longas e o tempo é ditado pelas marés? Vimos boas experiências de cultivo orgânico, piscicultura, criação de frangos, auto-sustento de comunidades como a do Armazém, em Ponta de Pedras. Mas falta escoamento e apoio logístico e financeiro para a expansão dos negócios familiares.
 
O Marajó exige mais ação governamental e mais continuidade nas ações. O Plano de Desenvolvimento do Marajó dorme em alguma gaveta ministerial, mas precisa ser resgatado, porque o Marajó é beleza, é resistência, é cultura, é história e com uma musicalidade e um ritmo incomuns e belíssimos.
 
O Marajó é belo, cheio de praias lindas e de uma natureza que nos faz mergulhar no íntimo, ouvir a voz de dentro. É uma realidade densa e instigante, apropriada ao sindicalismo cutista,  que  nasceu  e se criou na contramão do sistema, ou remando contra a correnteza, como costumo dizer ao me referir ao nosso modo de fazer sindicalismo na Amazônia.
 
Enquanto a ação governamental não chega, CUT e Fetagri-PA vão sindicateando, organizando os trabalhadores e trabalhadoras a juntarem esforços com os vários movimentos sociais e exigirem saúde, educação, comunicação, banda larga, inclusão digital, transporte decente, agências bancárias e fim da violência, da insegurança e dos abusos.
 
Ninguém voltou o mesmo, após a caravana das águas no Marajó. Em cada peito sindicalista cutista, uma certeza: sem luta e muita unidade não se muda a vida.
 
Meu muito obrigada à CUT e à TV/CUT que ao registrar esta caravana, permite que demos os primeiros passos pra cortar o cordão sanitário do isolamento do povo do Marajó. Ao divulgar o que se passa na maior ilha flúvio-marítima do mundo, com certeza atrairemos mais olhares de solidariedade ativa para as gritantes ausências de políticas públicas, de serviços no Marajó. 
 
Em si, a ilha e seus 16 municípios são um desafio destamanho pra CUT, pra Fetagri e pra todos os movimentos sociais que brigam por igualdade de oportunidades, comunicação democrática, sistema financeiro justo e pelo direito de ser feliz. Um desafio necessário e bonito de se viver, porque o Marajó é mágico, encantador e belo, como canta o poeta Eduardo Dias:
 
“Quando eu morrer, se eu não for por céu, eu vou lá pro Marajó, montado num cavalo baio debaixo das cores do sol”.
 
*Vera Paoloni é secretária de Comunicação da CUT-Pará e dirigente da FETEC-CUT/CN, Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Empresas de Crédito da Região Centro Norte.

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